GLOBALIZAÇÃO DAS MISSÕES BRASILEIRAS


DA PERSPECTIVA DO PREPARO
Autoria de: Margaretha Nalina Adiwardana
Margaretha Nalina Adiwardana, professora na Faculdade Teológica de São Paulo, apresentou este material na Assembléia Geral da Fraternidade Evangélica Mundial (WEF) em Abbotsford, Canadá em abril de 1997. Ela é também ministra de uma igreja Indonésia em Mogi da Cruzes e professora e palestrante requisitada em escolas e igrejas.

A Revista VEJA publicou um artigo com o título "Fé tipo exportação" com o primeiro parágrafo: "Em qualquer país que se coloque o pé hoje em dia existe uma grande chance de haver brasileiro." O jornalista descobriu um fato que já sabemos há algum tempo, como o subtítulo que ele colocou declara: "Missionários brasileiros se espalham pelo mundo para difundir o cristianismo."1
A Realidade da Globalização
Os primórdios das missões transculturais brasileiras se deram no início deste século XX com a Igreja Presbiteriana do Brasil, que enviou em 1910 Rev. João Marques da Mota Sobrinho e Da. Mina para Portugal. Em 1911 a Convenção Batista Brasileira enviou João Jorge de Oliveira e Da. Prelândia Frias para o mesmo país.2 Hoje, no final do século, temos em torno de 2.500 missionários transculturais brasileiros trabalhando em mais de 70 países em todos os continentes. Cerca de 13% deles trabalham nos países na região da chamada Janela 10/40, conhecida por ser de difícil alcance, além de serem carentes do Evangelho.3 Há uma tendência atualmente de enviar mais missionários brasileiros para alcançar os grupos não alcançados, devido aos desafios e divulgação de movimentos, tais como Adotar um Povo, AD2000 e ênfase na Janela 10/40. O mundo muçulmano ganha crescente atenção como alvo de missões. (Pessoalmente, tenho notado nesses últimos dois anos que cerca da metade, e até mais, de candidatos e missionários treinados declararam que visam como alvo final algum país muçulmano.)
Além dos brasileiros que estão se preparando e indo para vários lugares no mundo, há outras tendências crescentes da globalização e cooperação do empreendimento missionário baseado no Brasil.

Preparo e Envio Multiétnico


Devido ao fato do Brasil ter um fundo multiétnico, descendentes de diversas raças, muitos voltam ao seu país de origem para evangelizar o povo dos seus antecessores. Os nisseis e sanseis que estão no Japão trabalhando como dekasseguis incluem um número considerável de cristãos que não só visam evangelizar os japoneses, seja pelo testemunho ou mesmo como pastores e missionários. A segunda geração de chineses está também de olho na China, que inclui Hong Kong, Macau e Taiwan. É um grande potencial quando os brasileiros de origens orientais se levantam para missões.4 Os jovens coreanos, após preparo teológico no Brasil, voltam para a Coréia já com bagagem de experiência transcultural e com a língua portuguesa como segunda língua, importante para missionários de país monolingual.
Há também jovens africanos que são preparados no Brasil e retornam aos seus países ou para outros países na África. Há solicitações por apoio para servir como missionários por parte de cristãos africanos refugiados no Brasil por situações de guerra.5
Os latino-americanos de países de língua espanhola vêm ao Brasil para treinamento. Alguns continuam no país para servir aqui mesmo, mas muitos voltam aos seus países ou vão a outros países para servir lá. Praticamente em todos os grupos para treinamento missionário em diversas agências há jovens do Peru, Chile, Colômbia, Argentina, Paraguai, México, Venezuela, Bolívia, etc.6 O Brasil é considerado como o mais adiantado em missões e no treinamento missionário na América Latina. (...)

Globalização no Campo

No campo missionário a globalização e cooperação acontecem quando os missionários brasileiros trabalham em conjunto com várias organizações:

Organizações Internacionais

Organizações secundárias são usadas quando os missionários são enviados por uma agência de missões brasileira, porém preparado no campo com o seu trabalho sob a orientação de uma agência internacional. Isso acontece principalmente nos países onde os brasileiros estão como pioneiros, desbravando um campo onde não havia presença e, portanto, nenhuma estrutura brasileira.

Igrejas Locais Nacionais
Os missionários brasileiros trabalham também com igrejas locais nacionais: discipulando, formando líderes e até treinando missionários. Além disto há apoio para o envio de missionários e evangelistas locais nacionais.

As Necessidades Resultantes da Globalização
A globalização e principalmente a tendência de trabalhar no meio dos povos não alcançados resultam em algumas necessidades especiais.

Treinamento mais Especializado
Os povos não alcançados, na sua maioria, são povos nos países com proibição para o trabalho missionário. Existem graus diferentes de perseguição individual como sanção legal com punições do Estado, tais como prisão e até a pena de morte de convertidos. Isso significa que os missionários trabalharão sob condições de stress máximo. Um missionário ocidental num país muçulmano na África pondera: ". . . três dos primeiros crentes que discipulei foram assassinados por causa da sua fé. . . . 60% dos crentes (não tirados do seu ambiente) passaram por perseguição extrema até mesmo a morte. Os colegas têm me visitado em desespero enquanto os novos convertidos são espancados, expulsos das suas famílias e mortos".7
Outra realidade do campo é a pobreza, fome e doença. Da Coréia do Norte ouvimos histórias de pais que venderam os seus filhos para servirem de alimentação. De Moçambique vieram notícias de mortes de missionários e visitantes brasileiros por doença. Assim também de Macau, onde uma moça morreu no hospital de um dia para outro.8 Disse um missionário, "Não fui preparado para enterrar um irmão missionário."9 Como preparar missionários para isso? E no caso de fome e pobreza, como preparar os missionários para servir efetivamente, porém sem ser paternalista, não criando dependência da igreja local para com a presença estrangeira.10
Violência de guerra tribal ou civil é outro problema que causa stress. A MIAF (Missão para Interior da África) Internacional teve que retirar todos os seus missionários em apenas uma semana, após mais de um século de trabalho em um país. Na Albânia, a decisão de ficar de uma missionária brasileira, enquanto a maioria dos estrangeiros teve que sair às pressas do país, valeu diversas reportagens nas revistas brasileiras. Chegaram relatos de que os cristãos albaneses, que foram bem discipulados no pouco espaço de tempo desde a abertura em 1991, estão saindo às ruas para evangelizar. Milhares vieram ouvir e centenas aceitaram a Jesus como Senhor.11 Mas, como preparar bem os nossos missionários para perseverar em situação caótica e perigosa de guerra? Como terão a sabedoria de decidir ficar ou sair?
Entendendo que a história brasileira conheceu muito poucas situações assim, nós percebemos que estamos despreparados psicológica e espiritualmente. Trabalhar assim requer grande perseverança para continuar em situações difíceis, sabedoria para tomar decisões corretas diante de pressões, humildade para trabalhar sem chamar a atenção e disposição para sofrer as conseqüências.
O preparo deve então formar estas características no missionário, como práticas reais do amor a Cristo e aos perdidos. Além disso, os povos não alcançados são na sua maioria muçulmanos, hindus, budistas, animistas e ateístas materialistas, exigindo a necessidade do confronto de poder ou batalha espiritual. Deve-se fornecer um treinamento mais especializado para essas áreas, não bastando uma simples aula superficial de "Introdução às Religiões Mundiais".
O problema é como encontrar um treinador brasileiro que possui experiência pessoal nessas áreas, além de conhecimento acadêmico ou teórico, pois estamos há apenas alguns anos ministrando nesses campos específicos.12 Os nossos missionários ainda estão servindo lá fora; alguns pretendem voltar para ajudar no treinamento somente daqui há alguns anos, quando a sua experiência já estiver consolidada com frutos permanentes no campo.
Uma solução seria os professores de missões no Brasil poder buscar conhecimento especializado nas áreas necessárias nos centros de treinamento disponíveis no exterior. Podemos também pedir que os especialistas nos ajudem, vindo aqui dar seminários, como algumas agências já estão fazendo. De qualquer forma, devemos procurar nos especializar para criar um corpo docente brasileiro mais contextualizado para os nossos candidatos, conhecendo a nossa cultura e o que deve ser trabalhado para poderem perseverar nos campos difíceis—não só perseverarem para ficar, mas com ministérios com frutos permanentes, apesar da situação.

Formação Profissional

Os povos não alcançados ficam nos países "fechados", que não permitem a entrada de missionários, porém muitos aceitam profissionais, principalmente de segmentos de alta tecnologia, bem como saúde e educação. Isso significa o crescimento da necessidade de enviar missionários com essa formação profissional. No entanto, nem todos os treinadores estão acostumados a preparar profissionais com nível de mestrado ou doutorado.
Outro problema é a igreja conseguir (ou até tentar) desafiar profissionais para deixarem a sua vida normalmente confortável aqui e aceitarem ser enviados. As agências devem estudar e preparar também a estrutura do que chamamos de "fazedores de tenda" (embora Paulo não a usasse para entrar numa área, mas sim para o seu próprio sustento e até dos seus colaboradores, provavelmente quando as igrejas não enviavam a manutenção financeira).

Estrutura de Trabalho e Apoio

Quando não se entra com visto missionário a estrutura de trabalho e apoio também é mais complicada, bem como a estrutura do trabalho no campo, o cuidado pastoral e até a comunicação e o envio de dinheiro. Tudo requer conhecimento de como se faz naquele campo e de sabedoria para não provocar problemas. Na maioria dos casos é a primeira estrutura brasileira a ser estabelecida e não temos experiência para tal. Por isso precisamos de cooperação internacional, aprender e trabalhar com agências internacionais que já trabalham há muito mais tempo lá.13

Os Cuidados pela Igreja Enviadora

Não há muitos modelos anteriores através dos quais a igreja enviadora brasileira possa aprender para cuidar dos seus missionários nos países "fechados" e em outros países. E, se queremos evitar problemas de última hora, devemos pensar sobre isso, e talvez examinar o que os países enviadores de missionários mais antigos fazem.
O estudo sobre o retorno antecipado de missionários do campo, realizado pela Comissão de Missões da WEF, apontou como a razão número um, entre as razões evitáveis, o problema de educação dos filhos.14 Devemos então estudar como ajudar e aconselhar os missionários quanto à educação dos filhos: onde, em que escola e em que língua. Se for a escola local e na língua local, como ficará quando voltar ao Brasil onde não se fala aquela língua? Se for numa escola internacional de língua inglesa, quando de volta ao Brasil terá que continuar a estudar em escolas inglesas, fora da realidade brasileira? Às vezes os missionários são forçados a enviarem os filhos a estudarem em outras cidades ou até em outros países. Como a igreja poderia ajudar a resolver estes conflitos e como as escolas de treinamento poderão ajudar o candidato a missões a começar a pensar em profundidade sobre prevenção e solução de problemas práticos?
Outro problema que logo as missões brasileiras enfrentarão é a aposentadoria dos missionários. Se estamos há uns 15 anos enviando missionários maciçamente, então devemos prever os cuidados que eles merecem quando retornarem após uma vida inteira de trabalho útil. Podemos aprender muito com os outros países enviadores mais antigos, e estudar como adaptar à realidade brasileira. Estes e outros problemas nos esperam no futuro.

Antecipando o Futuro
Como um país novo em experiência de fazer missões, o Brasil deve adquirir o conhecimento para preencher as necessidades o mais urgente possível. Devemos antecipar e preparar, ao invés de resolver quando os problemas já estão acontecendo. Não podemos arriscar a cair na repetição das falhas que aconteceram há alguns anos atrás, quando, sem experiência, começamos a enviar missionários. Desde os anos de 1990-93 ouvimos relatos do campo sobre a realidade missionária brasileira, com muitos frutos, mas também com erros e falhas que provocaram o alto índice de desistência dos missionários. Hoje, aprendemos do passado para planejar melhor o futuro. Onde não há modelo aqui, buscamos conhecimento na cooperação internacional para aplicar na situação brasileira, numa forma contextualizada. Isso vale para o preparo nas escolas e treinamentos, e para os cuidados pelas igrejas e agências.
Portanto, mais cooperação, compartilhamento de conhecimento e experiência e até de estruturas com os outros países são necessários. Pode ser em forma de união, troca e colaboração no treinamento, dando suporte, estrutura e cuidado no campo. Isso também evita a duplicação onde já há estruturas disponíveis. Em alguns casos, os missionários brasileiros que trabalham com organizações internacionais ou locais têm sido muito frutíferos. Com certeza, nos países muçulmanos, os brasileiros terão necessidade de trabalhar com missões mais experientes, se quiserem ganhar tempo e evitar sofrimentos desnecessários decorrentes de falhas e problemas.

Cooperação Bíblica

Poucas pessoas hoje sabem que a tecnologia que usufruímos em forma de CD, compact disc, na realidade foi fruto das pesquisas realizadas pela empresa multinacional Philips. Quando foi descoberta, a empresa percebeu que, assim como aconteceu com as outras descobertas (por exemplo, o videocassete), ela não poderia lançar-se sozinha no mercado internacional por muito tempo. Para sobreviver, e para obter um lucro maior no final, ao invés de competir com as outras grandes multinacionais na tecnologia de diversão áudio e vídeo, seria melhor juntar as mãos. Ofereceu então seus conhecimentos às outras empresas com participação de lucro. Como resultado, o que vemos hoje, todas têm a sua fatia de bolo no mercado e todas lucram com isso. Quanto mais nas missões, onde deve haver globalização para realizar o mandamento da Grande Comissão, devemos trabalhar juntos. Praticamente todos os relatórios apresentados pelos cinco representantes das cinco regiões da Comissão de Missões da WEF no Canadá em 1997, conclamaram por cooperação.
A cooperação deve ser delineada, quanto ao quem faz o que de acordo com o que pode, tem e sabe, e baseada em princípios bíblicos de trabalhar junto com os vários membros ou partes do corpo de Cristo. Cada um com os seus dons e ministérios, dando e colaborando com suas capacidades e habilidades com base de igualdade. Tudo efetuado sem olhar para a vantagem própria, mas para a edificação do Corpo e para a glória do Cabeça, o Senhor Jesus.15
A convivência internacional na globalização é inevitável. Um professor da PUC escreveu para a Folha de Turismo do jornal Folha de São Paulo um artigo sobre o programa de educação de turistas brasileiros que a administração da Disneylândia preparou. "É preciso entender que está ocorrendo um maior relacionamento entre culturas por causa da globalização e todos devem procurar resolver os problemas que vão surgindo nesse processo."16 Devemos ser preparados para a convivência multiracial que a globalização traz, com o padrão bíblico de amor, união, humildade e colocar os outros como superiores a nós mesmos. Pois todos somos de Cristo, que veio para derrubar as barreiras que nos separam.
Assim, o preparo para a globalização deve levar em conta não só a convivência com a cultura do povo a ser alcançado, como também com equipes multinacionais. O dito popular, "O mundo se tornou aldeia global" é também o que Jesus falou, "O mundo é o campo". Para nós significa que todo o mundo, até os confins da terra, se tornou como uma aldeia, de rápido alcance e de convivência próxima, para as missões transculturais.


Notas
1. Revista Veja, edição 14/04/97.
2. Tucker, Ruth A. ...Até aos Confins da Terra, SP: Edições Vida Nova, 1986, p. 519.
3. Informativo de Ted Limpic, SEPAL, 1986.
4. Entre outros, 1a Conferência de Sino-Japonês realizada pelo Seminário Servos de Cristo em São Paulo, fevereiro 1996.
5. Informação do Pr. José Roberto Prado, Secretário Executivo da MIAF no Brasil.
6. No treinamento missionário do CTM (Centro de Treinamento Missionário da Igreja de Deus) de 1997 todos os treinados eram latino-americanos de fala espanhol, sem algum brasileiro!
7. Nik Repkin, "Why are the Unreached Unreached?" em Evangelical Missions Quarterly, Vol. 32, N° 3, julho de 1996, p. 286.
8. Informação do Pr. Olinto de Oliveira em janeiro de 1997.
9. Informação do Pr. José Roberto Prado, MIAF.
10. Vide Mission Frontiers, Vol. 19, n° 1-2, jan-fev. 1997.
11. Relatório de e-mail da WEF em abril de 1997.
12. Conforme relatou também Dr. Met Castillo, das Filipinas, na Consulta da Comissão de Missões da WEF em maio de 1997 em Abbotsford, Canadá.
13. Afirmou também Pr. Silas Tostes, da Missão Antioquia, na mensagem por fax em
março de 1997, sobre o trabalho missionário brasileiro no campo muçulmano.
14. Relatório sobre a Desistência Missionária nos Campos, pesquisa realizada pela Comissão de Missões da WEF, apresentada na Consulta em All Nations College, Inglaterra, maio de 1996.
15. Francis Omondi da Sheepfold Ministries, missão queniana, escreveu sobre o que os missionários locais da Quênia precisariam em forma de cooperação global, em "Partnership in Mission: Meaning of the Term", na revista Set Sail, janeiro de 1997.
16. Folha de São Paulo, Caderno de Turismo, 4/3/97, pág. G-2.


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