O PREPARO PRÉ-CAMPO MISSIONÁRIO




















A modernidade trouxe progressos consideráveis nos mais diversos campos do conhecimento humano, ampliando os horizontes científicos, mas também exigindo uma especialização cada vez maior no exercício profissional. Justamente esta especialização do conhecimento científico requer crescentes investimentos em educação, porém, educação e conhecimentos aprofundados não são os únicos requisitos para alcançar-se o sucesso nos dias atuais, pois há uma crescente demanda por competência. Portanto, devemos ter sempre presente que os investimentos em educacão e preparo específico, acadêmico como também emocional, crescerão na mesma proporção em que aumentará a responsabilidade a ser assumida.

Vejamos como estas constatações tem profundas implicações na vida de um missionário. Normalmente, o missionário, no seu dia a dia, convive com pessoas de culturas diversas da sua. Sua vida, seu estilo de vida e o modo de se portar são parâmetros para os membros da comunidade na qual está inserido. Os recém convertidos procurarão imitá-lo, outros tentarão obter respostas aos seus problemas pautando suas vidas segundo os princípios estabelecidos pelo missionário. Quanto maior o fosso cultural entre o missionário e o povo a ser alcançado, maiores serão as responsabilidades e a influência a ser exercida em relação a assuntos da comunidade, como prevenção de doenças, ensino básico, questões de organização familiar e social, adaptação com outras culturas, em resumo, seu exemplo será determinante na vida de toda a comunidade. Nestes termos, necessária se faz uma preparação específica do missionário, não somente em termos teológicos, mas em áreas as mais diversificadas possíveis, para que possa exercer competentemente a sua tarefa evangelizadora. Discorreremos sobre quatro momentos distintos que, aos nossos olhos, são fundamentais na preparação de um misssionário competente, quais sejam: preparo na infância, preparo espiritual, preparo prático e um chamado divino claro.

I. Preparo na infância

Lancemos os nossos olhos à palavra de Deus, que nos trás respostas para todas as questões. Qual foi o preparo dado por Deus a alguns dos principais personagens na Bíblia, capacitando-os a exercerem influência e responsabilidade de acordo com os planos divinos?

Analisaremos a vida de Moisés, para, em seguida, tirar algumas conclusões importantes em relação ao tópico preparo na infância. Moisés nasceu num período histórico conturbado, quando o povo de Deus sofria aguda perseguição pelos egípcios. Desde o primeiro sopro de vida estava condenado à morte. Seus pais eram estrangeiros, desprezados e até odiados. Mas Deus o tinha escolhido, desde o nascimento, para o difícil cargo de líder do povo de Israel, mesmo que aos olhos humanos não preenchesse os mínimos requisitos necessários para tal tarefa. Sua mãe, inspirada por Deus, teve a idéia salvadora do cestinho. Mesmo sendo encontrado pela filha do rei egípcio, quando o mais natural seria a sua morte, ou a internação no palácio real, Deus, em sua soberania, providenciou-lhe uma infância na presença da mãe. Cercado pelos cuidados maternos iniciou um período de preparo para a difícil e singular tarefa que Deus lhe havia designado. Recebeu amor, compreenção, autoconfiança e proteção, todos ingredientes essenciais na formação de um caráter saudável. Neste período conheceu Jeová, o Deus de seus pais, sendo lançada a pedra angular do seu relacionamento com Deus e o amor pelo seu povo.

Somente após adquiridos os valores divinos numa educação cristã, como também constituído o seu caráter como ser humano, foi levado ao palácio real, quando “foi instruído em toda a ciência dos egípcios” (Atos 7:22), educação esta reservada somente aos soberanos de sua época. Qual não foi a sabedoria divina! Acredito que Moisés, desde a sua infância, supunha que Deus lhe havia reservado um papel importante. Talvez esta a razão porque Moisés “saiu a seus irmãos, e atentou nas suas cargas” (Êxodo 2:11). Mas sua conduta foi impulsiva, regida pela carne, não inspirada pelo espírito de Deus, e tornou-se um homicida. Outros quarenta anos de preparo na presença de Deus foram necessários. Somente após este longo período de amadurecimento Deus pôde chamá-lo ao seu serviço. Orgulho, individualismo e autoconfiança exacerbada foram quebrantados, a tal ponto que exclamou em Êxodo 3.11: “Quem sou eu, que vá a Faraó e tire do Egito os filhos de Israel?”. Quem sou eu? Tamanho foi o quebrantamento vivido por Moisés, que em Números 12:3 registrou-se: “E era Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra”. Agora Deus podia usá-lo, agir pela sua pessoa. Todo o aprendizado anterior, tanto emocional como a instrução especial, reservada aos soberanos egípcios, Deus usou para preparar o povo de Israel como nação, e conduzí-la através do deserto.

Fatos semelhantes podemos observar na vida de Paulo. Criado no exterior, na cidade de Tarsus, metrópole daquela época, adquiriu a cidadania romana, mesmo tendo ascendência judaica. Falava diversas línguas, entre elas o aramaico e o grego, e recebeu uma educação exclusiva dos filhos das classes dominantes daquela era helenística. Pelos constantes exemplos usados, parece-nos que também praticava ativamente esportes. Na sua infância recebeu cuidadosa instrução no judaísmo, principalmente pela sua mãe e na sinagoga. Aos treze anos de idade mudou para Jerusalém, centro cultural do oriente médio, submetendo-se a um curso teológico profundo e meticuloso sob os cuidados do influente e reconhecido mestre Gamaliel. Eis os pré-requisitos que Deus providenciou, para possibilitar o futuro ministério de Paulo na edificação da igreja em todo o Mediterrâneo, principalmente nas grandes metrópoles do mundo antigo, onde, em ascirrados debates com estudiosos e soberanos do seu tempo, expunha a palavra de Deus.

Lendo as biografias dos principais missionários dos nossos tempos também percebemos que Deus os capacitou de forma especial, muitas vezes iniciando o preparo desde a tenra infância. Fazendo uma retrospectiva da minha própria vida, vejo claramente como Deus preparou-me de forma especial para o trabalho missionário. Uma vida de oração e a profunda confiaça em Deus eu aprendi no exemplo dado pela minha mãe. Os sofrimentos da Segunda Guerra Mundial e o difícil período Pós-Guerra também foram essenciais para o meu trabalho no meio indígena, pois aprendi a contentar-me com pouco, mantendo a alegria e flexibilidade mesmo nos períodos de escassez material. Apesar das necessidades financeiras vividas pelos meus pais, tive o privilégio de estudar em bons colégios e receber uma ótima educação, de fundamental importância para o futuro ensino dos meus próprios filhos no campo missionário.

Eis os motivos porque devemos dar especial atenção à educação dos nossos jovens nas igrejas. Casamentos saudáveis, com estrutura familiar e base cristã são fundamentais para o amadurecimento dos jovens, onde amor, obediência, disciplina e persistência podem ser treinadas. A disposição de renunciar à sociedade de consumo, em favor de uma vida humilde e dedicada a Deus, o nadar contra a correnteza, um sistema de valores ancorado na palavra de Deus, estes são alguns alvos a serem alcançados no preparo dos jovens cristãos. Aqueles que não foram confrontados com tais qualidades durante a sua infância necessitarão de um acompanhamento específico, regado com muito amor, sabedoria e paciência, durante a sua permanência nos seminários.

II. Preparo espiritual

Após a conversão de uma pessoa, surgindo o desejo em dedicar-se a missões, imprescindível se faz um período mais ou menos longo de acompanhamento espiritual e pessoal, até ser alcançada a maturidade cristã necessário para a freqüência de um seminário teológico. Neste período o candidato deve ser testado em algumas atividades da igreja, enquanto a própria igreja tem a incumbência de substituir a família (como modelo) do recém convertido, principalmente quando o exemplo cristão não foi repassado na infância. Tal período de acompanhamento e preparo serve para propiciar um amadurecimento e crecimento espiritual. Deus, na sua infinita bondade, deu-me amigos fiéis justamente nesta fase de preparação profissional, aprendizado na igreja e estudo teológico, que durante os 35 anos de ministério acompanharam-me constantemente com suas orações e ofertas.

Muitas vezes também é importante o aprendizado de uma profissão secular, onde podem ser adquiridas qualidades fundamentais como iniciativa, persistência e liderança, para somente depois ingressar num curso teológico. O mais tardar durante o período de seminário eventuais feridas emocionais da infância e juventude devem ser diagnosticadas e especificamente tratadas, pois a formação de um caráter saudável e equilibrado é uma precondição para o sucesso do futuro missionário. A vida cristã estável, na obediência e dependência de Deus, a santificação constante devem ser aprendidas e aperfeiçoadas diariamente, enquanto os reais motivos do desejo de servir em missões são analisados. O candidato passará por um período de autoanálise, onde descobrirá suas fraquezas e suas virtudes, prontificando-se a trabalhar os pontos fracos e aprimorar as virtudes. O Espírito Santo transforma vidas, e quanto mais espaço lhe é concedido, mais poderá mudar.

Além deste preparo emocional e espiritual, um preparo teológico fundamentado na palavra de Deus é de extrema valia, não somente para aumentar o conhecimento acadêmico, mas para ensinar o manuseio diário da bíblia, bem como sua aplicação constante no dia-a-dia. No campo missinário, na grande maioria das vezes, o missionário será o único apto a trazer conforto espiritual às pessoas, sendo necessário que seja treinado a resolver os próprios problemas no estudo individual da palavra de Deus, recuperando suas forças na presença constante do altar de Deus.

Dependendo da atividade a ser exercida no campo missionário, o tipo de curso teológico a ser cursado será diferente. Enquanto o ensino e o pastorado nas grandes igrejas exige um preparo acadêmico mais acurado, para o missionário do campo isolado algumas habilidades práticas serão de extrema valia. Eis o motivo pelo qual um profundo amor a Deus, uma vida na dependência divina e santificação constante, um exemplo no casamento e na família podem tornar-se armas mais eficazes na tarefa evangelizadora do que um curso acadêmico baseado na autosuficiência, falta de humildade e de amor ao próximo. O grande problema para o missionário diplomado está justamente no perigo em realizar as suas atividades fundamentando-as na própria sabedoria, menosprezando a dependência da vontade divina.

III. Preparo prático

Conforme o lugar onde o missionário exercer a sua atividade, torna-se imprescindível um preparo prático. A sobrevivência em regiões inóspitas não é garantida por diplomas de graduação, ao passo que habilidades práticas facilitam em muito a vida do missionário. A construção da própria habitação, o plantio de frutas e verduras, a criação de animais domésticos e manutenção do próprio carro são situações a serem enfrentadas com naturalidade no dia-a-dia da base missionária, enquanto a esposa precisará investir muito no trabalho doméstico. Como já dissemos anteriormente, quanto maior o fosso cultural entre o missionário e os povos autóctones, maior será a demanda por ajuda nas mais diversas áreas da vida, principalmente na área da saúde, do amparo social e da educação. Nestas situações, a profissão de marceneiro do meu esposo e a minha de nutricionista foram grandes ajudas na realização da atividade missionária. Inclusive na área de saúde tivemos que adquirir conhecimentos para tornar efetiva a ajuda aos necessitados. Tendo por base este quadro, é importante que o missionário descubra com a maior antecedência os seus dons, para poder desenvolvê-los com zelo e dedicação. Na grande maioria dos casos Deus usa os nossos dons naturais no seu trabalho, apesar de que, em situações extremas, ele pode nos capacitar de forma especial. O estudo da língua e a adaptação à outras culturas devem ser realizados por todos, pois Deus dará a capacitação necessária.

IV. Um chamado claro

O mais importante requisito para o trabalho missionário, porém, é um chamado divino claro e específico, não somente ao homem ou à esposa, e sim, para o casal. Incluído está, neste chamado, a certeza em relação ao país, à cultura e ao tipo de atividade a ser desenvolvida, pois somente com base nesta certeza o casal suportará as dificuldades no campo missionário. Entusiasmo, amor ao povo, fuga de outras situações, como por exemplo desemprego, não estabelecerão bases sólidas para um projeto missionário, e sim, somente um chamado claro e específico de Deus.

Analisando a vida de Gideão, observamos que Deus não trabalha com as massas. Suas possibilidades para alcançar os perdidos são tão amplas, que poderia dispensar os serviços de nós mortais. Porém, Deus quer agir através de nós seres humanos. No entanto, devemos ter sempre presentes que tudo o que for realizado nas nossas próprias forças, na confiança da nossa própria sabedoria e inteligência, não terá valor algum na eternidade.

Em Juízes 7:2 Gideão “apregoa aos ouvidos do povo” para que se prepare para a batalha contra os midianitas. Trinta e dois mil guerreiros apresentam-se. “É demais o povo que está contigo, para eu dar os midianitas em sua mão”, por isso, “quem for tímido e medroso, volte, e retire-se (.v.3.)”. Deus sabia que muitos foram movidos pelas emoções, não tendo um verdadeiro chamado para a batalha. Então sobraram dez mil soldados. Mas para Deus ainda eram demais. “Disse mais o Senhor a Gideão: ainda há povo demais; faze-os descer às águas, e ali os provarei. Todo que lamber as águas com a língua, como faz o cão, esse porás à parte; como também todo aquele que se abaixar de joelhos e beber” (V. 4 e 5 ). Somente trezentos homens sobraram, homens que dispostos a tudo pelo Senhor. Os preguiçosos, sem iniciativa, inflexíveis e medrosos ficaram pelo caminho.

No trabalho missionário devemos estar dispostos a tudo, dedicação total, sem reserva alguma, inclusive de entregar a vida pelo Senhor Deus, somente assim Deus poderá agir livremente através de nossas vidas.



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