A COSMOVISÃO DE POVO E A PREGAÇÃO DO EVANGELHO

“Quando chegou a manhã, lá estava Lia. Então Jacó disse a Labão. Que foi que você me fez? Eu não trabalho por Raquel? Por que você me enganou? Labão respondeu. Aqui não é costume entregar em casamento a filha mais nova antes da mais velha” (Gênesis 29. 25.,26)

Mesmo tendo vivido por mais de sete anos na região de Padã-Arã, o texto bíblico parece indicar que Jacó não conhecia bem os aspectos da cultura local. Caso contrário, teria descoberto que era costume os pais oferecerem em casamento primeiro a filha mais velha. A mais nova só se casava depois que a primeira tivesse sido dada em casamento. O resultado do descompasso cultural foi que Jacó, além de permitir ser enganado, teve que trabalhar mais sete anos (um total de quatorze) para que pudesse pagar por Raquel, a filha mais nova. Em nossa jornada missionária, estamos sujeitos a tropeços semelhantes.
Principalmente se desconsideramos que comportamentos, crenças e valores de um povo são determinados por sua visão de mundo (cosmovisão). Essa visão de mundo é a leitura que é feita da realidade ou maneira que se enxerga e interpreta o universo à volta. Ela molda todos os aspectos da vida de determinada comunidade, define a realidade e estabelece padrões para o relacionamento com o material e o espiritual.
A maioria dos estudiosos sobre o assunto ilustra a idéia afirmando que em cada sociedde as pessoas aprendem a decodificar o mundo atravéds de lentes culturais. Isso acontece sem sequer se darem conta de que essas lentes existem.
Por essa razão, povos distintos observam cenários, pessoas e situações semelhantes, mas chegam a conclusões diferentes. Se não formos capazes de compreender a visão de mundo do povo no qual trabalhamos, jamais entenderemos seus padrões de comportamento.
Assim sendo, enfrentaremos inumeras dificuldades até entendermos as pessoas e sermos entendidos por elas. Nesses casos, não há dúvidas de que os relacionamentos serão prejudicados.

POR TRÁS DOS COMPORTAMENTOS
Para determinado povo, chegar 15 minutos antes do horário quando se recebe um convite para jantar é uma atitude educada, porque assim, além de evitar o atraso, numa eventualidade se pode, até mesmo ajudar a família a finalizar a preparação da mesa.
Já na visão de outro povo, a gentileza está em chegar 15 minutos depois, para não pegar a família ainda se preparando para a ocasião. Diante desses dois comportamentos poderíamos indagar¨”Qual deles é o mais apropriado?”. O nosso primeiro impulso pode ser o de responder a essa pergunta conforme os padrões estabelecidos em nossa sociedade.
Considerando sinceramente o dilema, podemos afirmar que os dois povos agem de forma adequada, de acordo com os seus padrões culturais. Portanto, os dois estão completamente corretos em sua maneira de agir.
Outro exemplo que aponta para a diversidade dos comportamentos culturais é a experiência da missionária que enfrentou grandes dificuldades com o povo que pegou sem autorização as roupas penduradas no varal.
Na concepção dela, o povo estava roubando seus pertences. Que absurdo! Na concepção deles, ninguém é dono de nada nesta vida e cada um deve compartilhar com o outro aquilo que administra. Principalmente, quando alguém possui mais de cinco objetos iguais ou com a mesma função... Interessante, não?
Antes de questionarmos a sociedade em contato e de sermos precipitados em apontar o dedo e promover julgamentos, precisamos fazer parte dela e conhecê-la em uma perspectiva étnica, ou seja, or meio de uma visão aprofundada de alguém que não é apenas um observador, mas parte do ambiente em que a cultura acontece.
Quando nos esforçarmos para aprofundar o nosso conhecimento sobre determinada cultura, precisamos, também, reconhecer que a pluralidade encontrada no comportamento dos povos é um reflexo de crenças em teorias formuladas a partir da leitura que se faz do universo ao redor. Em outras palavras, os comportamentos são moldados pela cosmovisão de cada povo, pois agimos de acordo com o que cremos.
Esse quadro sugere que o nosso empenho deve ir além de apenas observar a manifestação de comportamentos, antes, é fundamental tentarmos compreender o que está por trás deles.
Considerando em particular o contexto de alguns povos africanos, no leste da África, podemos afirmar kque somente observando suas crenças conseguiremos chegar a uma compreensão da manifestação de certos comportamentos. Em vez de condenar ou romantizar as culturas, a nossa tarefa é tentar enxergá-las com ponderação, a fim de compreendê-las. Do contrário, os comportamentos do povo não farão sentido e servirão como pontos de tensão em nosso relacionamento cotidiano.
Outra observação importante é que é preciso ter cuidado com pressuposições a respeito do contexto cultural em contato ou do povo que se deseja alcançar. Exemplificando no Brasil, é comum estabelecermos generalizações em relação aos africanos e olharmos para a Africa como se fosse apenas um país. Mediante esse comporftamento desc onsideramos a enorme heterogeneidade de um continente com 54 países, duas importantes sub-regiões a África Branca, ou Setentrional, e a Negra, ou Subsaariana, e riquíssima diversidade étnica.
Muitas pessoas imaginam que a África é um país onde tudo é igual, onde todas as pessoas falam a mesma língua e têm os mesmos costumes. Isso é um equívoco total. Para começar a África não é um país, mas, sim, um continente; continente enorme, com aproximadamente 30 milhões de km2, cerca de quatro vezes o tamanho do Brasil (que é um país de tamanho continental!).
Ao todo a África possui 54 países soberanos. Isto é, política e geograficamente independentes.
Portanto, a África é um vasto continente que exibe, uma intensa multiplicidade e complexidade sociocultural e econômica. É um verdadeiro mosaico de povos e culturas.
É um grave descuido verbal generalizar as informações, principalmednte quando se trata de lum continente com as dimensões e multiplicidades da África; apesar de existirem significativas semelhanças entre a maioria dos países, nem tudo que se vê em um país é exatamente a mesma coisa em outro. Imagine as dificuldades que o nosso missionário terá ao chegar a um país da África com uma visão equivocada do continente.
Será possível ter uma visão realista do campo que está inserido? E o que dizer a respeito do estudo da cultura e da compreensão da visão de mundo do povo em contato?

TORNANDO A MENSAGEM COMPREENSÍVEL
De fato, conheceremos uma sociedade quando formos capazes de entender a leitura que o povo faz do que está ao redor. Essa compreensão será fundamental para a apresentação do evangelho e para a edificação de uma igreja sadia. Se o povo demonstra medo dos espíritos e de outros poderes sobrenaturais, o en sino bíblico acerca desse assunto deve ser apresentado para que a visão de mundo da comunidade seja afetada e haja compreensão biblica a esse respeito.
As se estamos aplicando as Escrituras sem levar em consideração a cosmovisão local e tentando tratar problemas que não fazem parte do seu cotidiano, a mensagem jamais fará sentido, deixando de exerc er o seu poder de transformação. Pregar um sermão a respeito da instabilidade emocional do homem pós-moderno poe não ter qualquer conveniência para o povo Euê, em Togo.
Veja um problema enfrentado por missionários que não levam em consideração a visão de mundo do povo. Às vezes um sistema novo ou rival de crenças é introduzido, mas a cosmovisão não é confrontada e permanece sem mudar, de modo que os valores e o comportamento refletem o antigo sistema de crenças. Algumas vezes, as pessoas que compartilham o evangelho em situações transculturais deixam de levar em conta o problema da cosmovisão e ficam, portanto, desanimadas com a ausência de mudança genuína que deveria ser produzida por seus esforços. Compreender a visão de mundo de determinado povo é de fundamental importância. Sem essa compreensão, seremos incapazes de influenciar o mundo deles. Nesse caso, permitiremos qaue tanto as nossas indagações sobre a cultura quanto os seus questionamentos a respeito de Deus e do evangelho permaneçam sem respostas....

Autor: Jairo de Oliveira, publicado no livro Vida, Ministério e Desafios no Campo Missionário. Uma abordagem contemporânea sobre missões. Da Livraria Press Abba.

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