A TAREFA MISSIONÁRIA NOS CONTEXTOS DE ANIMISMO E SINCRETISMO RELIGIOSO

“Eles não adoravam o Senhor, mas também nomeavam qualquer pessoa para lhes servir como sacerdote nos altares idólatras” (2 Reis 12.32).

Podemos afirmar, a partir de uma perspectiva missiológica, que o ideal para a chegada de um missionário no campo é que esta chegada seja alvo de planejamento e acompanhamento.
É fundamental ter por perto gente mais experiente com condições de auxiliar o novato em suas necessidades iniciais e de guiá-lo em seus primeiros passos. Favorecendo assim uma compreensão adequada do contexto em que esta inserido.
Entender bem a vida na nova cultura não é tarefa fácil. Devemos ter em mente que a primeira impressão do campo normalmente, não resulta em uma compreensão correta do lugar e do povo. Entretanto, essa visão primária fica e tende a influenciar extremamente as nossas decisões em nosso novo ministério.
O cuidado que se deve ter é que as decisões que tomamos nos primeiros meses e anos influenciarão a nossa carreira missionária como um todo e podem comprometê-la, dependendo de como forem tomadas.
Na condição de recém-chegados, boa parcela do nosso tempo deve ser investida na tentativa de compreender o novo contexto e encontrar caminhos para comunicar, da melhor maneira possível, a mensagem do evangelho.
Desconsiderar esse tipo de postura pode transformar todo o esforço na evangelização de determinado grupo em grande frustração ou em acréscimo de obstáculos para a proclamação do evangelho. Culturas onde há forte presença de práticas animistas e de manifestações de sincretismo religioso precisam receber atenção especial em razão do grande número de missionários que segue para estes contextos.
A fim de nos tornamos eficazes no trabalho que desenvolvemos, precisamos compreender essas manifestações e responder a elas com uma postura cultural, lingüística e bíblica adequada.

ANIMISMO
O Animismo é uma das crenças mais comuns em todo o mundo e que influencia diversas religiões. O conceito de Animismo pode ser definido como “espiritualizar” todas as coisas no mundo. Segundo essa compreensão, a vida no mundo visível ocorre sob a influência de espíritos, de toda sorte, que manipulam e controlam todos os acontecimentos. É daí que vêm expressões como espírito do rio, do vento, da chuva etc. É interessante como em uma sociedade animista, o material e o espiritual caminham lado a lado e jamais se separam um do outro.
De acordo com esta compreensão, a existência em si mesma já se constitui num fenômeno religioso, visto que todo evento no mundo espiritual. Desta forma, não se faz distinção entre a vida e a religião, conforme destaca Ronaldo Lidório, missionário da APMT e da AMEM.
No universo animista, o religioso não se distingue do não religioso; o sagrado do secular; o espiritual do material o corpo da alma. Religião é parte de toda expressão da vida. Seja comendo, trabalhando, lutando ou descansando, a cosmovisão religiosa está presente, portanto, o universo animista é um universo integral e não dicotômico.
Por conta de uma cosmovisão integrada, todo fenômeno no mundo físico tem uma ligação direta com o mundo espiritual. Em razão disso, uma enfermidade, um acidente ou a morte de um membro da tribo tem sempre uma explicação espiritual.
Em geral, acredita-se que um desses possíveis eventos é o resultado da ação dos espíritos provocando desarmonia entre o povo e alguma atitude em resposta tem que ser tomada. A liderança local se reunirá e chegará a um consenso. A resposta pode ser o oferecimento de um sacrifício aos espíritos, uma mudança de comportamento moral por parte dos integrantes da comunidade ou a própria tentativa de manipulação dos espíritos contra um grupo vizinho que supostamente esteja enviando seus feitiços.
Sempre haverá uma interpretação e alguma coisa a ser feita para aplacar, pelo menos temporariamente a ira dos espíritos contra o povo. A grande preocupação e missão dos membros de uma sociedade animista é manter o relacionamento com os espíritos a fim de manter ou promover harmonia entre o mundo físico e espiritual. Por esta razão, a religiosidade dos povos animistas está mais baseada no relacionamento com os espíritos do que com a própria atitude de adoração a uma divindade.
O comunicador transcultural observava que numa concepção animista, os espíritos gerenciam todas as coisas no mundo e Deus é um ser que simplesmente integra o universo. Enquanto que na visão bíblica, é exatamente o extremo oposto. Deus é o ser soberano que controla todas as coisas e os espíritos são apenas seres criados que integram o universo (Habacuque 1.14; Salmo 103.19).
PRÁTRICAS ANIMISTAS

Na República da Guiné, país localizado na África Ocidental, pendurar uma espécie de barbante na porta de casa é um costume comum entre o povo Susu, cujo objetivo é tentar se proteger da influência do mal.
A missionária Kerley Permino, da JMM, apresenta um depoimento desafiador a esse respeito: “Os barbantes estão em todos os lugares, fazendo nos lembrar que o povo ainda vive aterrorizados pelo medo de que outros possam lhes rogar pragas, doenças e maldições”. Encontramos comportamentos semelhantes entre os povos indígenas que em sua maioria, atriibuem faculdades sagradas a objetos que são utilizados com o propósito de alcançar vitórias diante de uma guerra, sucesso na pesca ou na caça e, até mesmo aplacar o ódio e manipular a ação dos espíritos. A superstição, a magia, os amuletos e as simpatias são comuns também entre os povos muçulmanos.
Mesmo que o Islamismo reivindique ser uma religião monoteísta, um grande número de grupos islâmicos recorre às diversas práticas de origem animista (Islamismo folclórico), tal como fazem os grupos politeístas. Um exemplo impressionante é o dos somalis, que mantém o costume de visitar as tumbas daqueles que consideram “santos muçulmanos”. Nessas visitas, normalmente se esfregam contra as paredes e se enchem de poeira da tumba, pois acreditam que ali há “baraka” (poder espiritual) ou bênção.
Ao analisar a prática observada pelo povo Somali, o missionário Julio Quirino descreveu o seguinte: Todo tipo de cura e solução de problemas podem ser alcançados ali. Eles fazem votos e promessas para os santos e levam um pouco da poeira para fazer remédios para os familiares doentes. Pessoas que não conseguem engravidar visitam a tumba e fazem sacrifícios, na esperança de que os santos intercederão e os protegerão de algum ataque dos demônios”.
O Animismo é, ao mesmo tempo, um perfeito pano de fundo para justificar práticas como o infanticídio e a mutilação genital. Por medo dos espíritos, crianças nascidas de mães que não se submeteram à mutilação genital devem ser abandonadas ou mortas após o nascimento. Esse tipo de crença é comum na costa leste da África, onde na concepção de alguns povos, como os samburus, por exemplo, os espíritos se revoltam quando esse tipo de situação ocorre e por isso, hão de punir a família, caso a criança seja mantida viva.
Nesses contextos, o ensino bíblico a respeito da vitória do Filho de Deus sobre os espíritos e sobre toda sorte de mal pode ter fundamental repercussão (Colossenses 2.15), levando-os a experimentar o poder libertador, curador e salvador de Cristo.
É importante deixar claro que as práticas descritas aqui, anda que nos surpreendam, não são exclusivas dos povos distantes. O Animismo demonstra-se forte também em nossa sociedade.
O grande número de amuletos usados para trazer sorte ou proteção contra o mal é uma grande evidência. A ferradura de cavalo pendurada atrás da porta, o copo com água na estante e a figa pendurada no retrovisor do carro são exemplos bastante comuns.
Por incrível que pareça, somos em mais esse aspecto, extremamente semelhantes aos demais povos do mundo e, culturalmente falando, em nada somos superiores ou inferiores.

Texto de autoria do Missionário Jairo de Oliveira, publicado no livro “Vida, Ministério e Desafios no campo missionário”, publicado pela editora Abba, SP, 2011

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