HISTÓRIA DE MISSÕES - OS MORÁVIOS NA EUROPA


UMA IGREJA MISSIONÁRIA PIONEIRA

Sessenta anos antes de Carey partir para a Índia e 150 anos antes de Hudson Taylor desembarcar na China, dois homens, Leonard Dober, um oleiro, e David Nitschmann, um carpinteiro, desembarcaram na ilha de São Tomé nas Antilhas, para tornar conhecido o evangelho de Jesus Cristo. Eles partiram em 1732 de uma pequena comunidade cristã nas montanhas da Saxônia, na Europa central, como os primeiros missionários dos Irmãos Morávios que nos 20 anos seguintes penetraram na Groenlândia (1733), nos territórios dos índios norte-americanos (1734), no Suriname (1735), na África do Sul (1736), entre os samoiedas do Ártico (1737), na Argélia e no Ceilão, atual Sri Lanka (1740), na China (1742), na Pérsia (1747), na Abissínia e no Labrador (1752).

Este foi apenas um começo. Nos primeiros 150 anos de seus esforços, a comunidade Moravia enviou nada menos do que 2.158 dos seus membros para o estrangeiro! Nas palavras de Stephen Neill: “Esta pequena igreja foi tomada de uma paixão missionária que jamais a abandonou”.

A Unitas Fratum (Irmãos Unidos), como eram chamados, deixou um Testamento, e faríamos bem se examinássemos novamente as características principais deste movimento e aprendêssemos as lições que Deus tem para nós.

OBEDIÊNCIA ESPONTÂNEA
A obediência missionária dos Irmãos Morávios era essencialmente alegre e espontânea antes de tudo. “A reação de um organismo sadio à lei de sua vida”, para citar as palavras de Harry Bôer. A fonte de seu impulso inicial veio como resultado de um profundo movimento do Espírito de Deus que aconteceu entre um pequeno grupo de crentes exilados. Eles fugiram da perseguição por parte dos anti-Reformistas na Boêmia e Moravia, durante o século XVII, abrigando-se em uma propriedade de Berthesdorf, a convite de Nicolas Zinzendorf, um nobre evangélico luterano.

Sob os acordes do Salmo 84, em 1722 Christian David (que mais tarde viria a ser um missionário no estrangeiro) derrubou a primeira árvore no local onde os morávios iam edificar sua colônia,m a qual recebeu o nome de Herrnhut (“Atalaia do Senhor”). Cinco anos mais tarde, tão profundamente avançariam as novas ondas da graça e do amor de Deus entre os morávios que um deles escreveu: ‘O lugar todo parecia um verdadeiro tabernáculo de Deus entre os homens. “Não se via nem se ouvia nada além de gozo e alegria”.

Eram os preparativos divinos para tudo o que viria a seguir. Desafiados por um encontro com Anton, escravo africano da ilha de São Tomé, que fora à Dinamarca para a coroação do rei Cristiano VI, Dober e Nitschmann ofereceram-se como voluntários, tendo sido nomeados. Essa foi para eles uma expressão natural da vida e obediência cristãs.

O Dr. A.C. Thompson, um dos principais historiadores do início das missões Morávios e que viveu no século XIX, escreveu: “O dever de evangelizar os pagãos está tão profundamente alojado no pensamento atual que o fato de alguém entrar pessoalmente nessa obra não cria qualquer surpresa... Não é considerada como luma coisa que exija ampla proclamação, como se estivesse acontecendo algo prodigioso ou mesmo fora do comum”.

Que contraste com o trabalho árduo para despertar o interesse que caracteriza tanto o cenário do envio de missionários hoje! O Rev. Ignatius Latrobe, ex-secretário das missões Morávios no Reino Unido durante o século passado, escreveu: “Achamos que é um grande erro apresentar os missionários, depois de sua nomeação, à notoriedade e admiração públicas e elogiar bastante a sua devoção ao Senhor, apresentando-os às igrejas como mártires e perseguidos antes de eles partirem para o seu trabalho. Nós preferimos aconselha-los a partir silenciosamente, recomendando-os às fervorosas orações da igreja...” Nenhum aparato, nenhuma apresentação de heróis no púlpito, nenhuma publicidade, mas um desejo ardente e discreto de tornar Cristo conhecido onde quer que o Seu nome não tenha sido mencionado. Isto permeou a vida e liturgia da igreja Moravia, de modo que, por exemplo, uma grande porção de orações em público e dos hinos subseqüentes se ocuparam desse assunto.

PAIXÃO POR CRISTO
Em segundo lugar, este zelo crescente tinha por motivação primeira um amor e uma paixão profundos e constantes por Cristo, algo que se expressou na vida do próprio Zinzendorf. Nascido em 1700 na nobreza da Áustria, ele esteve desde cedo sob influência familiar piedosa e logo aceitou Cristo como Salvador. Seu interesse missionário precoce ficou evidenciado quando no tempo de estudante fundou junto com um amigo o que ele chamava de “Ordem do Grão de Mostarda”, para a propagação do reino de Cristo no mundo.

Ele veio a ser não apenas o hospedeiro, mas também o primeiro líder dos crentes morávios e fez visitas pessoais ao exterior no interesse do evangelho. “Eu tenho luma paixão e esta paixão é Ele, apenas Ele” foi o acorde principal de sua vida, tendo soado através dos mais de 2.000 hinos que escreveu.

William Wilberforce, o grande reformador social evangélico inglês, escreveu o seguinte sobre os morávios: “Eles constituem um corpo que talvez tenha ultrapassado toda a humanidade em provas sólidas e inequívocas de amor a Cristo e em um zelo ardente e ativo no seu serviço. É um zelo temperado de prudência, suavizado pela mansidão e sustentado por uma coragem que nenhum perigo pode intimidar e por uma certeza tranqüila que nenhuma dificuldade pode exaurir”. Precisamos hoje de uma formulação teológica completa acerca de nossa motivação em missões e uma compreensão adequada do que cremos. Mas se não houver um amor apaixonado por Cristo no centro de tudo, só atravessaremos o mundo aos trancos e barrancos e apenas fazendo barulho durante a passagem.

CORAGEM DIANTE DO PERIGO
Como indicou Wilberforce, um aspecto adicional dos morávios foi que eles enfrentaram as mais incríveis dificuldades e perigos com notável coragem. Eles aceitavam as dificuldades como parte de sua identificação com o povo ao qual o Senhor os enviava. As palavras de Paulo: “Fiz-me tudo para com todos” (1 Cor. 9.22), eram pronunciadas de modo bem prático quase sem precedentes na história de missões.

A maioria dos missionários partia como “fabricantes de tendas”, trabalhando em sua profissão (a maioria deles era composta de artesãos e lavradores como Dober e Nitschmann), de modo que as principais despesas envolvidas eram as de enviá-los. Nas áreas onde o domínio dos brancos tinha criado a fachada da superioridade racial, como por exemplo, na Jamaica e na África do Sul, a maneira pela qual eles humildemente se submeteram ao trabalho braçal pesado era por si mesma um testemunho de sua fé. Por exemplo, um missionário chamado Monate ajudou a construir um moinho de milho no começo de sua obra na Província Oriental na África do Sul, cortando as duas pesadas pedras de arenito ele mesmo. Ao fazê-lo, não apenas deixou admirados os cafres entre os quais trabalhava, mas também aproveitou a oportunidade para “conversar” com eles sobre o evangelho enquanto trabalhava!

A ida a lugares tais como o Suriname e as Antilhas significavam enfrentar enfermidades e possível morte; os primeiros anos foram de inevitáveis baixas. Na Guiana, por exemplo, 75 dos 160 primeiros missionários morreram de febres tropicais, envenenamento e coisas parecidas. Homens como Andrew Rittmansberber morreu seis meses depois de pisar a ilha. As palavras da estrofe de um hino escrito por um dos primeiros missionários na Groenlândia expressam algo da fibra de sua atitude: “Vamos, através do gelo lê da neve, uma pobre alma perdida para Cristo ganhar. Alegres, enfrentamos a necessidade e a aflição para o Cordeiro que foi morto apresentar”.

Os morávios resolutamente dominaram novas línguas sem muitos dos recursos modernos e vários deles se tornaram notavelmente influentes e capazes nesses idiomas. Esse era o material de que esses homens eram feitos. É possível que tenhamos de enfrentar hoje um padrão diferente de exigências, mas a necessidade de uma medida semelhante de coragem concedida por Deus permanece a mesma. Será que a nossa sociedade acomodada e próspera está produzindo homens e mulheres mais frágeis?

TENACIDADE DE PROPÓSITO
Notamos em último lugar que muitos missionários morávios demonstraram uma tenacidade de propósito de categoria superior, embora se deva imediatamente acrescentar que em certas ocasiões houve um afastamento precipitado demais diante de uma situação particularmente problemática (como por exemplo o trabalho inicial entre os aborígines na Austrália em 1854, que foi subitamente abandonado por causa de conflitos locais provocados por uma corrida ao ouro).

Um dos mais famosos missionários morávios, conhecido como “o Eliot do Ocidente”, foi David Zeisberger. Desde 1735, ele trabalhou 62 anos entre as tribos huron e outras. Numa determinada ocasião, depois de ter pregado sobre Isaias 64.8, numa manhã de domingo em agosto de 1781, a igreja e suas dependências foram invadidas por bandos de salteadores indígenas e nos incêndios que se seguiram, Zeisberger perdeu todos os seus manuscritos das traduções das Escrituras, hinos e anotações extensas sobre as línguas dos índios. Mas, tal como Carey, que iria passar por uma perda semelhante na Índia anos mais tarde, Zeisberger abaixou a cabeça em mansa submissão diante da providência soberana de Deus e reiniciou seu trabalho.

Será que temos falta de perseverança missionária hoje? Vamos reconhecer o valor do trabalho dos missionários temporários e ver em muitos deles o propósito divino. Onde se acham porém aqueles que estão prontos a “se afundarem” no exterior por causa de Deus? Vamos considerar de frente os problemas tais como a educação dos filhos e a mudança de estratégia missionária sob a direção do Senhor; mas para os homens serem ganhos, os crentes bem alimentados espiritualmente, e as igrejas encorajadas na plenitude da vida em Cristo, uma grande parte do “poder missionário permanente” do tipo certo será necessário em alguns lugares.

Estes morávios tiveram naturalmente suas fraquezas. Eles se concentraram mais na evangelização do que na verdadeira implantação de igrejas locais e foram, consequentemente, muito fracos no desenvolvimento da liderança cristã. Eles centralizaram seu método no “posto missionário”, dando-lhes até toda uma porção de nomes de lugares bíblicos, tais como Silo, Serepta, Nazaré, Belém, etc. Desde que os primeiros missionários saíram diretamente da “bancada do carpinteiro” por causa da natureza espontânea de sua obediência, eles careciam de preparação adequada. De fato, foi só em 1869 que a primeira faculdade para treinamento de missionários foi fundada em Nisky, a 30 quilômetros de Herrnhut.

Apesar de tudo isto, as palavras de J. R. Winlick apresentam a lição profunda que temos de aprender hoje dos morávios: “A igreja Moravia foi a primeira entre as igrejas protestantes a tratar esta obra como uma responsabilidade de igreja como um todo, em luar de deixa-la para as agências missionárias ou pessoas especialmente interessadas. Eles eram na verdade um grupo pequeno, compacto e unido.” Seria possível dizer então que uma estrutura missionária simples como a possuída por eles era natural. Entretanto duvidamos que esta possa ser uma desculpa para o baixo nível de interesse missionário que se manifesta em muitos setores da igreja atualmente, ou para o complexo e geralmente competidor sistema das sociedades missionárias com o qual lutamos hoje. Temos ouvidos para ouvir e vontade para obedecer.

(Colin A. Grant foi missionário no Sri Lanka durante doze anos, tendo sido enviado pela Sociedade Missionária Batista Britânica. Ocupou o cargo de presidente da Aliança Missionária Evangélica e secretário-geral na Inglaterra da União Evangélica Sul Americana. Faleceu em 1976. Reimpresso com permissão de Evangelical Missions Quartely (“Revista Trimestral sobre Missões Evangélicas”), outubro de l976, volume 12, n 4 Publicada pelo Serviço Informativo de Missões Evangélicas, Box 794, Wheaton, Illinois 6018, Estados Unidos).




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