SER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO
Um Dilema do Missionário Brasileiro
Valdir Xavier de França
INTRODUÇÃO
É muito raro encontrar um missionário brasileiro mundo afora que não tenha problemas com o seu sustento. Independentemente de ser um missionário denominacional, de uma agência missionária de fé ou outra qualquer. E não é tão raro assim encontrar cristãos que usam o versículo de Fil. 4:19 (E o meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo a sua gloriosa riqueza em Cristo Jesus) para exortar aqueles que estão esmorecendo na fé e precisando de ânimo, especialmente no que diz respeito a grande crise que todos enfrentamos em nosso dia a dia.
O curioso é ver que nem todos se preocupam em dar uma olhadinha no porquê do apóstolo declarar essa benção sobre a Igreja de Filipos. Ele o fazia em gratidão pela oferta missionária que aqueles irmãos levantaram para o seu ministério, a fim de aliviarem-no de algum aperto ou mesmo liberá-lo para o trabalho de evangelismo em Tessalônica, para onde partira depois de estar em Filipos, já que ele também tinha o seu ofício. Porém, o fato é que neste momento da sua vida a Igreja de Filipos compreende o seu trabalho e de maneira generosa se torna sócia desse missionário.
UMA REALIDADE
Figurando como a segunda maior causa de abandono de missionários brasileiros do campoi, o sustento financeiro, sem dúvida alguma, é sempre um dos aspectos mais dramáticos na vida de qualquer família missionária brasileira hoje. O dilema de ser vocacionado e muitas vezes não ter como ir ao campo ou até mesmo voltar dele pela crise do não ter sustento adequado é um tanto quanto estressante para os nossos irmãos missionários.
Estou dizendo isto porque via de regra a Igreja brasileira entende que uma das provas da vocação do missionário é Deus suprindo todas as suas necessidades financeiras, e isto é verdade, porém o equívoco, é pensar que Deus não deve contar com a igreja local para essa missão.
COMPREENDENDO NOSSO CONTEXTO
A maioria das nossas igrejas locais não tem consciência da sua vocação missionária no mundo. Elas não tem como prioridade a obediência à Grande Comissão de nosso Senhor Jesus. Os compromissos locais e denominacionais ofuscam a visão de muitas congregações, que prioritariamente investem local e denominacionalmente, aumentando o sintoma da miopia missionária.
Sendo assim, o trabalho missionário transcultural é relegado a um segundo plano ou tratado com muita indiferença pela liderança da igreja. Não sendo prioridade, logo, o sustento do missionário também não é tão importante assim. Penso que isto é resultado de uma visão exacerbada do ministério pastoral, que tem se tornado mais importante para as estruturas eclesiásticas do que todos os outros dons concedidos à Igreja (Apóstolos, Profetas, Evangelistas, Pastores, Mestres, Ef.4:11), visto que o ministério pastoral, irá fazer a manutenção da igreja local e é isto o que muitas vezes interessa mais para as denominações e igrejas locais. Daí o missionário não “precisar” de um treinamento tão bom quanto o do pastor e não ter um sustento tão “bom” e estável quanto o do pastor.
“NOSSO” MODELO
Alguns, quando partem para o campo missionário, declaram que estão indo pela fé e assim não se preocupam ou não conseguem levantar o sustento adequado, na esperança de que Deus venha de alguma maneira suprir sobrenaturalmente, e Deus na sua infinita misericórdia o faz muitas vezes, porém isso não deve ser estabelecido como regra geral, nem prática que deva ser institucionalizada.
Alguns outros, trabalham de modo certo, levantam seus mantenedores e confiam que estes serão fiéis e que vão corresponder as expectativas. Geralmente as pessoas ficam muito motivadas a contribuir quando vêem o missionário compartilhar suas experiências no campo e resolvem se comprometer a enviar certa quantia mensal, porém com o passar dos meses, muitos se esquecem e deixam de contribuir. Outras prioridades, problemas financeiros, enfim, qualquer dificuldade que venham a enfrentar, o primeiro corte sempre é na oferta do missionário, que estando no campo fica sem o sustento para as suas necessidades básicas, muitas vezes as mínimas necessárias.
CONSIDERAÇÕES
Gostaria de considerar alguns fatores que muitas vezes não percebemos em nosso fazer missionário desde o Brasil e que estão diretamente relacionados ao sustento financeiro de missionários. O contexto de instabilidade econômica e política em que vivemos nos afeta profundamente e sem dúvida tem o seu papel nessa história. Não é fácil para qualquer comunidade atualizar diariamente na base do dólar “paralelo” os seus compromissos missionários.
Talvez devêssemos até mesmo considerar o modo como temos enviado (e para onde) nossos missionários a partir da América Latina. Será que, ao repetirmos os modelos importados das missões de fé, não estaríamos contribuindo para o aumento desse problema, sem ao menos nos preocuparmos em descobrir um modelo nosso, típico da América Latina em crise política e financeira crônica?. Ou até mesmo quem sabe buscar novas alternativas dentro do que tem sido dito sobre parceria. Não como estas que tem sido ditadas pelas instituições missionárias onde a família missionária e a igreja local entram com o obreiro, o capital e todas as obrigações para com os mesmos e as organizações se beneficiando da parte “estratégica” dessas parcerias.
Como estamos num fórum de debate e discussão, quero apresentar três pistas para a nossa reflexão, que creio eu, podem enriquecer o nosso pensar sobre o dilema de muitas famílias missionárias brasileiras, que tem um chamado a realizar, porém não tem condições de cumpri-lo.
1. Um modelo que precisa ser reavaliado – Creio que precisamos nos libertar desse modelo que lança a família missionária, sozinha em busca de seu próprio sustento e a envia muitas vezes sem um projeto definido e claro. Ele é de certa forma, um tanto quanto perverso para com o missionário e sua família, precisando ser reavaliado urgentemente (famílias de missionários brasileiros entendem bem o que falo aqui). Se a agência missionária quer realmente o trabalho daquele determinado obreiro, ela precisa também pagar a conta. Existe um certo amadorismo em algumas destas instituições que enviam os indivíduos e toda a responsabilidade recai sempre sobre a família missionária e quando as dificuldades financeiras surgem, uma das práticas é enviar o saldo devedor para o missionário no campo, aumentando assim sua agonia e estresse quanto a questão financeira.
2. Buscando equilíbrio na corda bamba – Sair do amadorismo que cerca muitas das nossas instituições missionárias e buscar um modelo mais profissional de gerenciamento e administração de recursos é realmente um desafio para todos nós. Criatividade e produção de fontes de recursos para investir não somente na administração, mas como também na vida de pessoas, deveria ser uma prioridade para agências missionárias. Precisamos de pessoas apaixonadas que dêem suas vidas sacrificialmente ao Senhor a fim de que o evangelho do Reino de Deus seja pregado a todas as gentes. Porém, precisamos do mesmo nível de compromisso daqueles que estão nos bastidores em providenciar e cuidar para que aqueles que estão na linha de frente não abandonem seus postos e voltem ao país simplesmente por falta de recursos.
3. A falta de fidelidade da Igreja brasileira quanto aos compromissos assumidos – Um outro desafio que está a nossa frente e que precisamos vencer, é quanto a falta de fidelidade da Igreja brasileira. Temos comunidades com carisma, porém sem caráter. Pastores, líderes, conselhos missionários e crentes em geral são aqueles que prometem sustento, porém logo voltam atrás e deixam aqueles que confiaram em situação difícil. Isto acontece muitas vezes sem nenhum comunicado, carta, e-mail ou telefonema para dizer, cara a cara, que a comunidade não estará mais contribuindo ou coisa parecida. Creio que isto reflete um pouco da crise de caráter que vivemos enquanto Igreja brasileira. Nosso falar deve ser SIM, SIM, e NÃO, NÃO e o que passar disso vem do maligno.
CONCLUINDO
A tensão existente em nossas igrejas, entre o trabalho local e o transcultural não é tão nova assim. Ela remonta a Igreja primitiva, porém algumas de nossas atitudes são bem diferentes das dos nossos irmãos no que diz a respeito a investir na obra missionária.
Para nós hoje, a grande dificuldade em levar o evangelho a todos os povos não são as portas fechadas ou as barreiras de linguagem, cultural e etc., mas sim o apelo consumista que nos faz pensar que precisamos de coisas que não precisamos, nos levando a consumir mais e mais coisas que são irrelevantes para a eternidade, enquanto consagramos menos e menos ao Senhor.
Estamos enfim diante de um grande dilema missionário brasileiro: Ser e não ter!
i Em “Too Valuable to Lose: Exploring the Causes and Cures of Missionary Attrition”, editado pôr William D. Taylor
Kroll, Woodrow, Home Front Handbook: How to Suport Missions Behind the Lines
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