MISSÕES E EVANGELISMO
(Um complemento ao artigo “Pergaminhos Missionários”)
Autor: Rinaldo de Mattos
Missões e evangelismo, na maioria das vezes, são atividades que se confundem. Quem faz missões, evangeliza e quem evangeliza faz missões. Em outras palavras, um missionário é um evangelista e um evangelista é um missionário. Porém, quando a prática da evangelização é feita fora do contexto cultural do evangelista, é preciso que se faça uma distinção estratégica entre essas duas atividades.
Ralph Winter, no livro Missões Transculturais – Uma Perspectiva Histórica, pp. 357-398, diz que “evangelismo é a prática da evangelização feita dentro do âmbito geográfico e cultural da igreja. Missões é a prática da evangelização feita além das fronteiras da igreja, onde ela cruza barreiras geográficas, culturais e às vezes lingüísticas”.
A partir dessa perspectiva, devemos enxergar nosso País, o Brasil, como um campo missionário que precisa tanto da prática do evangelismo como da prática de Missões. Ao nosso redor estão milhares de pessoas que falam nossa língua, possuem a mesma cultura que a nossa e vivem, conosco, mais ou menos as mesmas experiências.
Estamos falando dos habitantes das cidades, das vilas, dos sertões (de modo geral), dos sítios e fazendas, todos eles falando a mesma língua, o Português, com apenas algumas diferenças regionais já conhecidas, em função da mídia e da globalização. Com essas pessoas, temos uma ponte direta de comunicação já pronta. Só precisamos conhecer alguns métodos de evangelismo para fazermos uma apresentação inteligível do evangelho, uma vez que tenhamos o ardor evangelístico, é claro.
Todavia, esses não são os únicos habitantes do Brasil. Aqui temos os indígenas, representados por centenas de etnias, cada uma delas com sua própria língua, cultura e tradição; temos os quilombolas, com todo um histórico diferenciado atrás de si; temos os ribeirinhos da Amazônia, com experiências muitíssimo diferentes que as nossas e com um linguajar que é quase um dialeto do Português (alguém já pensou até em uma versão da Bíblia apropriada para os ribeirinhos); temos as comunidades de pescadores e algumas comunidades específicas de sertanejos com costumes bem diferenciados; temos também os grupos étnicos imigrantes, cada nação trazendo suas tradições e experiências vividas em sua antiga pátria, como temos também aqueles que, no contexto de nossa sociedade, vivem em um mundo todo seu como os deficientes auditivos, os usuários de droga, os alcoólatras, os encarcerados e outros grupos dessa natureza, onde temos aí uma alternância entre missões e evangelismo.
Nós, batistas brasileiros, somos bons no evangelismo. Campanhas como a sempre lembrada “Jesus Salva”, o PNE e o trabalho atual de nossa Junta de Missões Nacionais, impactando o Brasil de língua portuguesa através das TRANS e de missionários radicais, temporários e de voluntários, mostram o nosso poder de fogo quanto à capacidade de evangelizar, como mostra também o nosso ardor evangelístico. Porém, na área de Missões propriamente dita, somos fracos. Não entendemos ainda que os demais seguimentos de nossa Pátria que não compartilham das mesmas experiências que nós, precisam de estratégias diferenciadas e clamam por missionários permanentes e bem treinados.
Quando um missionário vai para um lugar estranho ao seu, ele é recebido como se fosse um estrangeiro. Daí, ele irá precisar de muito tempo para adquirir a confiança do povo, até que as pessoas possam dar crédito à sua palavra; ele vai enfrentar uma situação em que dormir, comer, viver o dia-a-dia, irá exigir dele uma adaptação radical aos modos locais e, trocar a maneira de viver, é coisa que não se faz de um dia para o outro; se ele tem um metabolismo que reage a mudanças drásticas como frio, calor, alimentação diferenciada, ele terá, na certa, problemas de saúde, pelo menos no início; se ele é pessoa introspectiva, retraída, de hábitos muito particular, é certo que ele terá problemas com a questão da privacidade.
A História de Missões (incluindo a brasileira, posto que recente) mostra que muitos dos enviados não conseguiram se adaptar à situação local, tiveram que voltar para seus lugares de origem porque foram vencidos pelo conhecido, tradicional e malfadado “choque cultural”; se o povo fala outra língua ou tem um dialeto deferente, ele precisará ter aptidões linguísticas e ter feito um curso de Linguística para saber como se aprende uma língua ágrafa que não tem ajuda escrita; ele vai descobrir, cedo ou tarde, que o seu modo de apresentar o evangelho não bate com o sistema cognitivo do povo, isto é, com o método que eles mesmos usam (como um povo de comunicação oral) para passar o conhecimento de geração a geração; cedo ou tarde ele irá descobrir também que o povo, alvo do seu ministério, tem uma visão diferenciada das coisas, reagem às coisas de forma diferente e possuem histórico e tradições que lhe dão um Norte completamente diferenciado às suas vidas. Tão cedo ele irá descobrir que só um conhecimento da ciência da Antropologia, ainda que na base de leituras, o irá equipar para compreender a situação; ele irá descobrir, afinal, que o povo tem uma cosmovisão diferente da sua e que precisará de missionários diferenciados com uma metodologia de apresentação do evangelho também diferenciada.
Concluindo, Missões, ou trabalho transcultural propriamente dito, não é, com todo o respeito, para missionários temporários. Missionário temporário, voluntários e outros, são muito úteis e têm o seu lugar no evangelismo de impacto bem como em trabalhos missionários complementares. Mas, trabalho transcultural pioneiro é para missionário permanente e bem treinado. Nossa Denominação precisa acordar para esse fato se queremos mesmo alcançar todas as pessoas em nosso País.
A ordem é: Convocação de missionários permanentes e treinamento teológico, linguístico e missiológico à altura. Daí, sim, ficaremos bons tanto no Evangelismo como em Missões.
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