MISSÃO, MISSÕES, IGREJA, CRISTÃOS E DISCIPULADO
Há duas distinções
que considero fundamentais na necessária reflexão missiológica, exemplos
típicos de como a teologia afeta a missão e como a missão reflete uma
teologia. A primeira delas é a distinção entre os termos missão e
missões; e a segunda trata dos conceitos da vocação da igreja como uma
instituição estabelecida por Deus e a vocação dos cristãos como agentes do
Reino de Deus no mundo. A confusão entre tais termos, e seus
respectivos conceitos bíblicos e teológicos, afeta diretamente a consciência do
nosso chamado e vocação, e gera confusão. Consequentemente, altera a percepção
e delimitações das nossas vocações: eclesiástica coletiva e cristã geral,
afetando a eficácia da nossa atuação cristã em nossa geração, especialmente
pela perda do foco vocacional. Sendo assim, convido você a refletir brevemente
comigo neste artigo sobre tais conceitos e suas implicações em nossa atuação
cristã em cumprimento da nossa missão.
Quando consideramos
as ordens bíblicas sobre a Missão da Igreja, especialmente a partir das
comissões descritas nos finais dos Evangelhos e início do livro de Atos dos
Apóstolos, não podemos concluir nada diferente de que a Missão da
Igreja é essencialmente o discipulado entre todos os povos (Mt
28.18-20). O conceito do discipulado implica as demais atividades de pregação
do evangelho, do testemunho de Cristo e do anúncio do perdão de pecados,
etc. Já o termo Missões designa a multiplicidade das ações empreendidas
pela Igreja para cumprir sua missão. Como esse termo está no plural,
ele abarca uma diversidade de atos dos cristãos que devem estar todos
interligados entre si pelo propósito final do cumprimento da missão, no
singular, que é fazer discípulos em todas as nações. Sendo assim, a diversidade
das ações proclamatórias da Palavra de Deus, em conjunto com as ações de
misericórdia – tipificadas respectivamente no exercício dos ofícios do
presbiterato e do diaconato, segundo a fé reformada presbiteriana – estão
subordinadas à missão da Igreja como instituição singular estabelecida por Deus
que busca essencialmente glorificar a Deus, pelo ministério da reconciliação,
que é um projeto de discipulado crescente, contínuo e profundo, através do qual
pecadores alcançados pelo evangelho da graça são capacitados biblicamente a
buscar e auxiliar outros pecadores a seguirem como seu Redentor, em tudo na
vida e em todo o mundo.
Contraditoriamente,
embora esse ministério de capacitação de cada cristão como um agente do Reino
de Deus em seu tempo, época e local, seja a tarefa essencial da Missão da
Igreja sobre a face da Terra, em todas as gerações, ele se mostra uma das
tarefas mais deficientes da Igreja, pois ela acaba se perdendo em tantas
atividades, compromissos e comemorações, apesar da agenda lotada, dos altos
custos investidos e do grande número de pessoas envolvidas. Portanto, é
preciso nos lembrarmos do essencial: se há muitas coisas que uma igreja pode
fazer, só há uma que só a igreja é responsável por fazer: o discipulado de
todos os povos. Muitas vezes o missionário se depara com realidades
muito precárias em seu campo de atuação missionária, realidades duras e
difíceis de ausência do Estado, disfuncionalidade nas famílias, omissão dos
vizinhos, crises políticas, falência econômica, conflitos sociais e tragédias
naturais, entre outras. Tais cenários caóticos demandam do missionário
ações de diversas naturezas como expressões da misericórdia e do amor de Deus
em cuidado do próximo; contudo, se não for a igreja a anunciar o Evangelho,
quem o fará? Se o missionário não mantiver o foco na tarefa da busca e
formação de discípulos de Cristo, ele gastará todas as suas energias, dias,
meses e anos da sua vida e as pessoas socorridas em diversas necessidades
continuarão tão alienadas da redenção quanto grande parte da civilização
ocidental, bem suprida dos recursos naturais, mas espiritualmente apática,
fria, apóstata e incrédula, morta em seus delitos e pecados, perdida em seus
prazeres, riquezas e filosofias, embora vivendo com os mais elevados
indicadores educacionais, sociais e econômicos da humanidade.
Diante
disso, um dos primeiros cuidados que um missionário deve ter é manter-se atento
ao seu chamado ministerial essencial de cumprir a Missão da Igreja, para que
dessa forma ele não se perca em meio a tantas demandas e possibilidades de
atuação. Igualmente, Igreja e Missionários devem estar atentos para que as
missões realizadas convirjam para a missão discipuladora da Igreja, chamado
essencial do ministério cristão. Todo
esse esforço parece ser melhor aproveitado quando se tem em mente a
consolidação de uma Igreja madura entre o povo com o qual se executa o trabalho
missionário. Por outro lado, jamais podemos confundir esse chamado primordial
relativo ao ministério da reconciliação com uma cruzada em busca de restauração
de uma teocracia cultural, pois nós não somos chamados para clericalizar a
sociedade nem secularizar a vocação essencial do discipulado. Não, como
Igreja e Missionários, somos chamados a alcançar pecadores com o Evangelho e
capacitar os cristãos ao cumprimento da missão, pois serão os cristãos, como
discípulos amadurecidos de Cristo, que deverão atuar nas esferas civis da
sociedade como expressão viva do Corpo de Cristo. Não somos chamados
para construir uma república teocrática em nenhum lugar do mundo, inflando a
competência da Igreja para que ela se torne a instituição reguladora da
sociedade. Contrariamente, cada cristão é chamado individualmente, como
cidadão de sua própria sociedade, para atuar em favor do próximo, sob
consciência da vocação divina, engajado no processo de redenção que Deus está
realizando pelo Evangelho neste mundo caído em pecado. Faltam-nos mais
profissionais com vigorosa autoimagem cristã, faltam-nos estadistas com fé
cristã robusta, faltam-nos crentes com acurado senso simultâneo de suas
competências “seculares” e de sua vocação “espiritual” de
ser sal da terra e luz do mundo.
Penso
se parte dessa ausência não se deve precisamente pelo nosso deficiente
discipulado, biblicamente superficial, teologicamente raso, excessivamente
eclesiástico, eticamente ascético e catequeticamente belicoso, com pouca
capacidade de relacionar a fé cristã com todas as áreas da vida, e ineficaz em
enviar os cristãos para o mundo como agentes do Reino, assim como Cristo nos
fora enviado e bem cumpriu a sua missão redentora.
Se a igreja, corporativa,
institucional, começar a abraçar para si as competências dos cristãos
individuais, ela facilmente perderá o seu foco, se desviará da sua missão de
capacitar tais cristãos (discipulado) pelo ministério bíblico. Precisamos
urgentemente resgatar a essência discipuladora da Igreja para formarmos
cristãos maduros, conscientes e dedicados em desenvolver plenamente a sua
vocação na sociedade, atuantes como bons e misericordiosos médicos,
professores, engenheiros, etc. Se a Missão da Igreja é o discipulado
das nações, o que ela fará pelas Missões, a Missão dos Cristãos é o cumprimento
dos mandatos espiritual, social e cultural nos contextos designados pela
Providência. Some a isso o nosso traço cultural predominante de esperar
cuidado, provisão e assistência de grandes corporações e não resultantes de
ações pessoais. A fé cristã conclama os cristãos, pessoalmente, de
maneira individual ou em grupos de afinidade, a serem os agentes do Reino de
Deus. Cabe à Igreja (coletividade que adora a Deus) orientar e capacitar
biblicamente os seus fiéis a serem executores da vocação abrangente, que toca
todo e cada aspecto da vida humana em cada área da sociedade, de buscar a
manutenção e o cuidado de toda vida e a redenção da criação. Que Deus nos
ajude!
Rev. Raimundo Montenegro
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário, ele é muito importante para melhorarmos o nosso trabalho.
Obrigado pela visita, compartilhe e
Volte Sempre.