A LINGUAGEM QUE PREJUDICA O TRABALHO MISSIONÁRIO
Missionária Braulia Ribeiro
É a apoteose da conferência missionária. O público é internacional. Delegados de todos os continentes da Terra estão presentes, adorando a Deus a plenos pulmões. Estou sentada ao lado de um casal africano bem vestido, com turbantes e bijuterias artesanais.
Estamos unidos e temos uma emoção de reino, de estarmos cumprindo o plano de
Deus para a humanidade. As culturas diferentes são uma bênção para o reino, não
um tropeço. Os povos do mundo se completam na sua diversidade. Estamos diante
do trono.
O louvor termina e nos sentamos.
Começa um filme para a promoção de um ministério de misericórdia na África. Em
alta definição desfilam crianças com costelas expostas, mães com seios vazios,
miséria, fome, doenças, falta de esperança, vergonha. Abaixo minha cabeça. Não
consigo mais olhar nos olhos dos africanos ao meu lado. A sensação de igualdade
do reino se foi. Tudo o que sobra são os ricos e os pobres, os escolhidos e os
não-escolhidos, os que podem dar e os que só recebem de cabeça baixa.
Na hora da oração pergunto ao casal:
-- Como vocês se sentem depois disto?
A mulher me responde:
-- Infelizmente, para sobreviver, me
acostumei...
Alguns anos já se passaram. Muitas missões já mudaram seu paradigma de “países receptores e países enviadores” para “todos em todo lugar”. Porém não fizemos ainda muito progresso quanto a nossa linguagem. As tribos ainda são “primitivas”, a África é uma ferida sangrenta, muçulmanos são mouros terroristas e a China é o gigante desajeitado que inspira desconfiança.
Mesmo que alguns possam argumentar que os estereótipos tenham algo de verdade,
quando cremos no reino concordamos com a “imago Dei”. A imagem de Deus nas
pessoas e nos povos tem que ser o pressuposto que usamos para vê-los. E deve
ser mais forte do que as concepções terrenas. Quando preconceitos nos guiam,
esperamos o pior, duvidamos, superprotegemos. Se entendermos o valor e a
capacidade conferida pela “imago Dei”, seremos levados a outro nível de
relacionamento. Esperar o sonho de Deus ser expresso nas pessoas e nos povos
nos conduz ao respeito, à mutualidade, a parcerias verdadeiras, ao reino.
Lembro-me de um pastor amigo me
dizendo que a maior parte das cartas missionárias que recebia poderia ser
intitulada “Meu sofrimento”. Para fazer minha luz brilhar mais forte, pinto as
trevas ao meu redor mais densas. “Admire quão santo sou à luz de quão terrível
este povo é”. Esse é um hábito comum desde o missionário que descreve a comida
horrível e exótica que comeu entre os selvagens até o pastor que enfatiza o
testemunho de pecado das ovelhas antes de se juntarem à sua maravilhosa igreja.
Jesus não era assim. Ele encontrava
beleza, fé e generosidade onde aparentemente não havia nenhuma. Ele louvou os
fariseus na frente dos judeus que os desprezavam, honrou mulheres diante de homens
que não lhes davam valor, contou a história do publicano que alcançou perdão em
contraposição ao religioso que não o obteve, se gabou da fé do centurião, o
epítome do anti-Deus para o judeu de sua época.
O povo-alvo para Jesus era honrado,
cheio de fé, corajoso e honesto. Jesus trabalhou para gerar entre as pessoas
respeito e apreciação mútua.
Como mudar o hábito de usar essa
linguagem missionária baseada em preconceitos e que não promove o reino? A
regra continua sendo a mesma proposta por Jesus: “O que você não quer que seja
feito a você, não faça aos outros”. Se você não quer que seu país seja
referência de malandragem, promiscuidade sexual e corrupção política, então não
estereotipe o país, a cultura, o comportamento moral e a economia de seu próximo
(Fp 4.8).
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(Bráulia Ribeiro trabalhou na
Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua
família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia.
É autora de Chamado Radical.
braulia_ribeiro@yahoo.com)
Fonte:
http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/331/a-linguagem-de-missoes-que-prejudica-o-reino/missoes
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