A TEOLOGIA BÍBLICA DA VOCAÇÃO E CHAMADA - PARTE 3
PARTE 3
UMA VEZ QUE TODOS SÃO CHAMADOS E CONVOCADOS, PODEMOS DIZER QUE TODOS
SÃO MISSIONÁRIOS?
Ora, ninguém pode dizer “sim” ou “não” com absoluta segurança
hermenêutica, já que as palavras “missão” e “missionário” não se encontram na
Bíblia, no Novo Testamento Grego.
Aparece, sim, a palavra “missão” em dois versículos da Bíblia, em
algumas versões em Português. Em Atos 12.25, por exemplo, quando Barnabé e
Saulo voltam de Jerusalém para Antioquia, a Bíblia Sagrada Almeida Século 21
diz: “E, havendo concluído sua missão (grifo meu), Barnabé e Saulo voltaram de
Jerusalém, levando consigo João, também chamado Marcos”.
Mas ali, a palavra “missão” é a tradução da palavra diaconia, do
grego, de onde vem nossa palavra “diácono” que significa “serviço”. Esta
passagem não indica, portanto, que a palavra “missão” esteja no Novo
Testamento.
O outro texto onde a palavra “missão” aparece é 1Timóteo 2.15,
falando da missão de mãe ao dar à luz filhos. Ali algumas versões dizem:
“cumprindo a sua missão de mãe” e outras dizem: “dando a luz filhos”. O texto
grego traz a palavra teknogonias (junção das palavras teknon filho’ + gonias,
que vem de gune ‘mulher’). Assim, este também não serve para a nossa análise.
O que nos resta, então? Resta fazer uma análise da palavra “missão”
a partir do Latim, pois foi depois que a Bíblia foi traduzida para essa língua
que o costume de chamar os “enviados” de missionários, começou a ser usado e se
internacionalizou.
No Latim, a palavra “missão” é missio e “missionário” vem de
mittere, que significa “enviar”. Ora, a palavra “enviar”, é muito comum no Novo
Testamento Grego, já que ali ela é expressa pela palavra apostello, muito
conhecida nossa, de onde vem a palavra “apóstolo” que significa justamente
“enviar”.
Assim, podemos dizer, com
segurança, que, se a palavra “missionário” não se encontra na Bíblia, o seu
significado permeia toda a Escritura, do Gênesis ao Apocalipse. É por isso que
a maioria dos estudiosos dos dons espirituais colocam a palavra “missionário”
como um dom (ou uma função) e a associa à palavra apóstolo, para se referir a
pessoas que recebem o dom e a chamada de Deus para iniciar o trabalho em campos
ou em situações pioneiras, seja nas circunvizinhanças da igreja, seja em campos
distantes, seja em qualquer outro lugar no reino de Deus.
Buscando ainda o sentido das palavras “missão” e “missionário”, vejamos
como o Dicionário Aurélio as define:
MISSÃO: “Função ou poder que se confere a alguém para fazer algo;
encargo, incumbência.
2. Função especial da qual um governo encarrega diplomata (s) ou
agente (s) junto a outro país; comissão diplomática.
3. O conjunto das pessoas que receberam um encargo religioso,
científico, etc.
4. Ofício, ministério.
5. Obrigação, compromisso, dever a cumprir.
6. Prédica ou sermão doutrinal.
7. estabelecimento, instituição ou instalação de missionários para
pregação da fé cristã. 8. Os missionários”
MISSIONÁRIO: “Aquele que missiona; pregador de missões.
2. Propagandista, defensor, propugnador.
3. Relativo ou pertencente às missões.
Vamos tentar aclarar um pouco mais a ideia, falando de missionário
no sentido “Geral” e “Específico”, como vimos fazendo até aqui com o assunto da
vocação.
Vamos dizer que num sentido geral, todos os crentes são missionários
porque todos têm uma missão a cumprir, seja em campos missionários, seja no
contexto de suas igrejas, seja em suas profissões seculares.
Mas, no sentido específico, em que alguém deixa sua cidade, seu
estado, seu país, ou deixa sua profissão, seu ganha-pão, para servir a Deus em
outro lugar ou numa outra situação, de forma definida, esse alguém é
missionário.
Os demais que continuam exatamente onde estão, fazendo o que sempre
fizeram, continuam sendo chamados e vocacionados, sim, no sentido geral,
comprometidos que são com o seu testemunho cristão, mas não é próprio chamá-los
necessariamente de missionários.
Vamos dar alguns exemplos: Imaginemos três moças, todas elas com a
profissão de professora em escolas públicas, todas com aptidão para trabalhar
com crianças e todas da mesma igreja.
Vamos dizer que uma delas decida trabalhar com as crianças da igreja
nos horários convencionais, e faça isso sempre, com muito amor e carinho e com
muita dedicação, mantendo, contudo, sem alteração, sua função de professora
pública, seu estilo de vida, etc. etc. Essa irmã estará certamente cumprindo a
sua vocação geral, usando o seu dom no contexto da igreja e é,
indubitavelmente, uma obreira do Senhor.
Mas, não seria próprio chamá-la de missionária, necessariamente, não
obstante à sua dedicação ao que faz.
A outra, entretanto, percebe logo os problemas enfrentados pelas
crianças nas várias escolas públicas da cidade e decide formar uma associação
para ajudar essas crianças.
Vê que o trabalho irá exigir seu tempo integral, de modo que se
demite da sua função de professora pública para se dedicar exclusivamente à
associação. Incontinente, sua igreja decide adotá-la, dando a ela um sustento
correspondente ao seu salário de professora pública (que, por sinal, aqui entre
nós, não seria muita coisa…).
Essa irmã não pode ser considerada simplesmente como uma pessoa
crente que usa os seus dons e talentos no contexto de sua igreja.
É evidente que ela está fazendo e iniciando muitas coisas novas:
Primeiro, ela está iniciando
um novo movimento fora das fronteiras de sua igreja, está colocando novos
fundamentos na Educação, em termos de Comunidade, em termos de Município, e
está sendo uma pioneira naquela iniciativa cristã.
Segundo, ela passa a ser uma
espécie de embaixatriz de sua igreja, na comunidade. Esta é uma missionária em
todos os sentidos da palavra.
A terceira tem a sua classificação mais fácil ainda de se definir,
porque irá receber o chamado de Deus para trabalhar com crianças num Lar de
Crianças no interior do Brasil, a qual será também, certamente, adotada pela
igreja.
Outro exemplo: A igreja tem um missionário que trabalha num certo
país, fora do Brasil. De vez em quando ela manda uma equipe formada pelos
membros da igreja para colaborarem, de alguma maneira, no trabalho do
missionário.
Ficam lá uma semana, duas, um mês, e depois voltam, cada um para o
seu lugar e para a sua função anterior.
Daí, eles passam a chamar todos os membros da equipe de “nossos
missionários” e passam a dizer que a igreja está fazendo missões, através
deles.
Bem, que eles estiveram num campo missionário por um tempo e deram
cada um a sua colaboração, de alguma maneira, é verdade; que eles viram e
experimentaram as coisas que existem por lá, também é verdade; que eles fizeram
seu papel de crentes dedicados, não há dúvida, mas chamá-los de missionários,
não seria apropriado.
Alguns de meus filhos (tenho sete) tiveram a oportunidade de exercer
ministério na aldeia onde trabalho:
Alberto ensinou violão, Sílvia ensinou flauta doce, Daniel e sua
esposa Monique deram o curso “Casados Para Sempre” e Suely, com seu esposo
Tércio, ministraram várias palestras para casais. Mas nenhum deles sequer
pensou, de si mesmo, que fosse um missionário.
Outro exemplo ainda: A igreja tem um grupo que gosta de fazer
trabalhos sociais. Eles visitam Lares de Crianças, em sua própria cidade,
distribuem brinquedos e usam da oportunidade para pregarem o evangelho para as
crianças. Eles fazem isso com muito amor e carinho e com muita dedicação, é
claro.
Você acha que eles estão apenas cumprindo sua vocação e chamada
geral, estão apenas usando os seus dons e talentos no contexto da igreja para
abençoar as pessoas da comunidade, com seu trabalho social, ou você acha que
eles podem também ser chamados de missionários? Deixo com você a resposta…
Continuando com essa ideia, a gente até poderia dizer que chamar
todos os crentes de missionário, esteja certo ou errado, isso não faria mal a
ninguém. Sim, mas seria muita ingenuidade pensar assim…
Veja no próximo tópico o que a concepção “todos são missionários”
pode causar.
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