A TEOLOGIA BÍBLICA DA VOCAÇÃO E CHAMADA - PARTE 4
NOVAS TENDÊNCIAS DE INTERPRETAÇÃO
BÍBLICO/MISSIONÁRIA E SUAS AÇÕES EVANGELÍSTICAS
Tenho ouvido, tanto quanto tenho lido
e constatado, que há uma nova tendência de interpretação bíblico/missionária em
cena, surgida nessas últimas décadas.
Essa nova tendência está se
alastrando e se enraizando, aceleradamente, nas práticas de muitas de nossas
igrejas e até mesmo nas práticas de algumas agências missionárias.
Ela representa uma nova concepção de
missões que tende a diminuir o valor e a necessidade do missionário de
carreira, tende a diminuir o valor e a necessidade de um preparo missionário
adequado, tende a eliminar a realidade das chamadas específicas, no tempo e no
espaço, tende a restringir a responsabilidade da igreja unicamente à comunidade
onde ela se encontra inserida e tende ainda a determinar preferências, nos
alvos da evangelização, a certos seguimentos da sociedade.
Sua atuação se concentra mais nos
problemas urbanos, com muito pouca ou nenhuma visão e entendimento do trabalho
transcultural da igreja.
Essa nova tendência missionária, para
a qual já existe uma boa quantidade de literatura, ensino, pregação, etc. Têm
apresentado várias configurações e interpretações bíblicas diferenciadas.
Algumas delas eu ouvi pessoalmente e, sobre outras, eu li.
Vou mencionar algumas, porém, sem
citar as fontes das quais eu li, para não melindrar ninguém. Mas é fácil ver
como todas essas novas tendências vêm da falta de um entendimento mais correto
da verdadeira teologia bíblica da vocação e chamada:
1.
CHAMADA MISSIONÁRIA ESPECÍFICA, NÃO
EXISTE:
Há
os que dizem, hoje, que chamada missionária específica não existe, porque todos
os crentes são chamados, porque todos os crentes são missionários.
Eles dizem também que trabalho missionário não deve ser feito por uma “minoria” (referindo-se aos missionários de carreira de modo um tanto pejorativo), mas que o trabalho missionário deve ser feito pela igreja como um todo. Afirmam ainda que somente no primeiro século missões foi praticada de modo correto e que depois (referindo-se aos dois mil anos da História de Missões) a prática foi desvirtuada, porque não foi feita pela igreja, mas por agências missionárias, por movimentos missionários e por missionários de carreira, a quem chamam de “intenção de uma minoria”, afirmando, no fim, que esse movimento foi “desastroso”…
Li isso numa apostila
de Teologia Bíblica de Missões, de um curso que foi dado em Seminário formador
de bacharéis em Teologia. A apostila, por sua vez, citava a fonte da
informação. Tratava-se de um escritor credenciado e de uma editora de renome.
Alguns
afirmam que vocação missionária não difere de qualquer vocação profissional
(médico, engenheiro, advogado, etc.) nem mesmo difere da vocação (ou missão) de
uma mãe ao dar à luz filhos e educá-los.
Ora,
se isso fosse verdade, o que teria sido da revelação bíblica se Abraão tivesse
optado pela sua antiga profissão de criador de gado e tivesse ficado na
Mesopotâmia?
E
se o mesmo tivesse acontecido com Moisés, Davi, Amós e outros da antiga
aliança, culminando com Pedro, André, Tiago e João, nos Evangelhos, e Paulo, em
Atos, todos eles preferindo continuar na profissão que exerciam antes?
No
meu caso, igualmente, que teria sido de boa parte do trabalho Xerente se eu
tivesse optado por ficar em São Paulo continuando a exercer a minha antiga
profissão de balconista de calçados e de aluno de violão clássico?
É
claro que todas as profissões são honrosas e qualquer profissional pode servir
a Deus em sua profissão e cumprir, assim, a sua vocação de ser uma testemunha
de Jesus Cristo.
Mas
dizer que chamada missionária (ou pastoral ou outras) é a mesma coisa que a
escolha de uma profissão, não é nem bíblico nem coerente com a realidade. O difícil para eu entender isso foi que
essa interpretação de missões eu li num livro escrito igualmente por um autor
credenciado e publicado também por uma editora de renome.
Para
citar um exemplo concreto, ano passado fui assistir à uma cerimônia de
lançamento de um livro. Um livro muito bem escrito, por sinal, sobre o
evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O
escritor é um odontólogo, membro atuante em sua igreja e apaixonado pela
pregação do evangelho. Ele costuma fazer estágios em aldeias indígenas, de
quando em quando, juntamente com sua esposa que é enfermeira, abençoando os
índios com suas profissões. Comprei oito livros dele. Um pra mim e sete para os
sete líderes da igreja Xerente da aldeia onde trabalho. Em agosto, do ano
passado, eles estiveram lá na aldeia fazendo tratamento dentário, que é uma das
grandes necessidades dos Xerente.
Quando
chegaram à aldeia, já eram conhecidos da liderança da igreja através do livro,
o qual todos já tinham lido e gostado. Eles foram calorosamente recebidos pelos
índios, que pediram para eles voltarem para continuar o tratamento. Mas eles
nem pensam, sequer, em fazer qualquer comparação entre a vocação deles e a
nossa.
Eis
aí duas vocações bem diferentes, em termos de função, mas, diante de Deus, duas
vocações exatamente iguais, diria eu, em termos de qualidade.
3.
O ENVIO DE MISSIONÁRIOS ESTÁ CAINDO
EM DESUSO:
Ouvi,
de fonte fidedigna, que certo pastor de uma grande igreja no Brasil, disse a um
vocacionado de sua igreja que desejava partir para um campo missionário, que
sua igreja não enviava missionários.
Que
sua igreja fazia missões como um todo. Disse ainda que se ele quisesse, ele
poderia se mudar para o lugar no qual estava pensando, exercer sua profissão
lá, dar o seu testemunho, ganhar convertidos, etc. e, quando chegasse a hora de
se construir templos, etc. então a igreja iria fazer a sua parte. Mas, enviar e
sustentar missionários, era coisa que sua igreja não fazia…
4.
CONVOCAR MISSIONÁRIO DE CARREIRA
TAMBÉM ESTÁ CAINDO EM DESUSO:
Ouvi,
também de fonte fidedigna, que certo líder de Missões disse, em uma de suas
apresentações, numa grande igreja, que não convocava mais missionários
permanentes, porque missionários permanentes, segundo ele, não existem mais.
Ele só convocava missionários temporários e voluntários em missões.
5. A RESTRIÇÃO GEOGRÁFICA DA GRANDE
COMISSÃO:
Há
certos modelos de igreja que focalizam, de modo exagerado, sua responsabilidade
missionária para com a comunidade onde está inserida (sua Jerusalém).
Ora,
isso não é mal, em si, mas o exagero pode levar a igreja a perder a visão do
“todo”, como Jesus colocou na Grande Comissão: “todo o mundo ”, “toda criatura”
e “todas as nações” e como lemos em Atos 1.8: “Jerusalém ”, “toda a Judéia” e
“confins da terra”.
Li,
certa vez, no site de uma grande igreja, lá no link onde eles colocam o título
“nossa visão” a expressão: “Nossa Comunidade”. Ora, a comunidade é muito
importante, mas a visão deve ser mundial.
Essas
igrejas que deixam missões distantes de fora, costumam dar a categoria de
“Missões” a todo trabalho que fazem em sua Jerusalém.
Trabalhos
que outrora eram feitos sob a égide do evangelismo, por exemplo, e os que eram
feitos sob a égide da assistência social, passam a ser feitos sob a égide de
“Missões”.
Isso
dá a impressão de que a igreja é uma igreja missionária, com um movimento
missionário muito grande, mas, o resto do mundo, é esquecido… Esse procedimento
missionário é muito diferente do que diz, por exemplo, Ralph Winter:
“Evangelismo é a prática da
evangelização feita dentro do âmbito geográfico e cultural da igreja. Missões é
a prática da evangelização feita além das fronteiras da igreja, onde ela cruza
barreiras geográficas, culturais e às vezes linguísticas”. (Missões
Transculturais – Uma Perspectiva Histórica, pp. 357-398)
Na ordem de Jesus não há primazia em
termos geográficos. Jerusalém e os confins da terra devem ser alcançados
simultaneamente. O mesmo Jesus que disse ao endemoninhado gadareno: “… Vai para
casa, para a tua família, e anuncia-lhes quanto o Senhor fez por ti e como teve
misericórdia de ti. (Marcos 5.19), disse a Paulo:
“ … Vai, porque eu te enviarei para
longe, aos gentios.”. (Atos 22.21).
6. A RESTRIÇÃO IDEOLÓGICA DA GRANDE COMISSÃO:
Alguns não estão restringindo a Grande Comissão em termos geográficos, necessariamente, mas estão restringindo-a em termos ideológicos.
Há
igrejas e movimentos missionários que estão estabelecendo preferências quanto
ao tipo de pessoas a serem alcançadas pelo evangelho.
Ultimamente
tenho consultado vários sites de igrejas, procurando neles a visão missionária
de cada uma. Tenho descoberto que a maioria dos sites de igreja nada trazem
sobre missões.
Outros
falam de missões, porém, com apenas alguns projetos restritamente selecionados,
bem ao gosto da liderança da igreja. São poucas as igrejas que apresentam, em
seu site, um Conselho Missionário e alistam, ali, os missionários adotados pela
igreja. Vi apenas um (talvez haja outros) que apresentava seu Conselho
Missionário, alistava todos os missionários adotados pela igreja e ainda
postava as últimas cartas de notícia de cada missionário. Num determinado site,
porém, lendo o link sobre “nossa missão”, percebi que os dois primeiros pontos
estavam muito bem colocados. Mas o último dizia: “dando preferência aos que
estão em situação de risco’”.
Ora,
a visão daqueles que estão em situação de risco, neste mundo, não obstante ser
necessária, se for exagerada e, especialmente, se for exclusiva, tirará da
igreja a visão do “todos” e a igreja deixará as demais pessoas do mundo fora do
projeto missionário de Deus.
Neste
caso, onde ficam as pessoas sadias, as que estão em situação segura neste
mundo, as pessoas mais abastadas, pessoas da classe média/alta, pessoas de bem,
enfim.
Elas
também não estão incluídas no projeto missionário de Deus?
A
Grande Comissão não é para “toda criatura”, conforme (Marcos 16.15)?
Mais um exemplo: Certo pastor, questionado sobre a evangelização dos índios,
respondeu a seu inquiridor: – Ah, os indígenas estão bem. Eles têm muita terra
pra plantar, tem todo apoio do Governo, das ONGs, etc.
Eu
prefiro ir atrás dos flagelados, disse… Isso, como se os indígenas não
estivessem inseridos no contexto da Grande Comissão – “panta ta ethne” – ‘todas
as etnias’. (Mateus 28.19).
Ora,
um indivíduo, visto que ele não pode ir, pessoalmente, pelo mundo todo e em
direção a todas as pessoas, ele tem que fazer opções quanto ao seu ministério.
No
meu caso, por exemplo, eu optei pelos indígenas, deixando os demais nas mãos de
Deus. Mas, uma igreja, como agência, por excelência, do reino de Deus, na
terra, não pode fazer opções ou determinar preferências. Sua visão deve ser a
visão do mundo todo, de todas as pessoas, de todas as nações.
7.
A TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL COM
ÊNFASE EXCLUSIVA NOS POBRES:
Ora,
que Missão Integral é a missão bíblica, e que é a única que espelha a “Missio
Dei”, não há a menor dúvida. Mas o evangelho integral é para todos, não somente
para os pobres. Muitos, com a exagerada preferência para os pobres, estão como
que criando uma nova Teologia da Libertação.
Certa
vez eu estava fazendo uma palestra sobre esse assunto para um grupo de alunos
de missões indígenas e perguntei se eles achavam que eu estava exagerando.
Imediatamente, levantou-se uma veterana missionária aos índios e contou que
certa igreja que a adotava por muito tempo, suspendera a adoção porque foi
desafiada, depois de um determinado seminário, a transferir a quantia que ela
recebia, mensalmente, para a compra de cestas básicas para os pobres…
O enfoque hoje sobre evangelização de
pobres, flagelados e aqueles que estão, como dizem, em situação de risco, é
grande e quase que exclusiva.
Quando se lê, no dia de hoje,
periódicos missionários e se ouve de igrejas e entidades que estão fazendo
missões, é quase certo que a maioria está fazendo missões entre as classes
menos privilegiadas.
Missões para as pessoas de bem, para
os bons cidadãos, para os mais abastados, para aqueles que lotam nossos
melhores restaurantes nos fins de semana, aqueles que enchem nossos lagos e
litorais com seus barcos, iates e jet ski, missões para profissionais, artistas
de rádio e televisão, desportistas, etc. está caindo em desuso. Até mesmo
certas organizações que outrora exerciam papel preponderante no alcance dessas
pessoas, estão hoje em declínio. Jesus
não agiu assim. O mesmo Jesus que disse: “ O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque me ungiu para anunciar boas novas aos pobres… (Lucas 4.18a), gastou
também o tempo necessário com um homem rico, Nicodemos, para colocar os pés
dele para dentro do reino de Deus. (João 3.1-21).
O que Jesus nos ensina com isso?
Ensina que todo aquele que tem seus pés fora do reino de Deus, seja pobre ou
rico, “está em situação de risco”…
8. AÇÕES MISSIONÁRIAS INSPIRADAS EM
PROGRAMAS HUMANITÁRIOS:
Por
fim, parece que muitos estão apenas imitando os movimentos de assistência
social levados a efeito pelas emissoras de rádio e televisão, pelos
empresários, desportistas e especialmente pela Rede Globo, movimentos esses
muito bem divulgados pela mídia.
Muitos
dos trabalhos sociais de certas igrejas e movimentos missionários não diferem
muito do que essas instituições vêm fazendo.
Essa prática seria o resultado de falta de iniciativa, falta de uma visão mais ampla das Escrituras, ou seria mesmo só uma questão de ibope?… Outro dia eu estava pensando nas crianças indígenas que precisam ser preparadas para o contato com nossa civilização, que será tanto mais complexo quando elas chegarem à idade adulta.
Falei isso com alguém e logo veio a pergunta: Mas não há ninguém
pensando nisso? Respondi: Não há, mas eu garanto que se a Globo, por exemplo,
iniciasse um programa com crianças indígenas, no Brasil, é certo que um número
enorme de igrejas e de agências missionárias evangélicas iria correr atrás do
assunto e fazer o mesmo…
Ora, o resultado de tudo que se disse acima, é que agências missionárias
transculturais que precisam de missionários de carreira e bem preparados, como
também as próprias escolas de preparo missionário sério, estão sentindo a falta
de obreiros, estão sentindo a falta de candidatos.
Com
isso, trabalhos transculturais estão sendo prejudicados, o sustento dos
missionários de campo tem diminuído, tanto quanto tem sido difícil mantê-lo e o
número de missionários de carreira convocados é quase ínfimo, diante da
convocação em massa de missionários temporários e de voluntários em missões. A
pergunta é: Por que descurar de uma atividade missionária para incrementar
outra?
Não
poderíamos fazer ambas as coisas ao mesmo tempo, com o mesmo enfoque e com a
mesma intensidade?
Fazer missões é fazer missão no mundo todo, para todas as pessoas, independente
de raça, cor, status social, poder aquisitivo, classe social ou de se
considerar as pessoas integradas ou não à sociedade.
Afinal,
os bons cidadãos, as pessoas de bem, a classe média e os mais abastados
(aqueles que levam a carga do desenvolvimento de seus países, que fabricam
roupas pra gente vestir, comida pra gente comer, etc.), como bem todas as
pessoas integradas em todas as nações e minorias étnicas do mundo, têm o
direito de ouvir o evangelho da mesma forma que os pobres, os flagelados e
aqueles que estão, como dizem, em situação de risco.
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