VOCAÇÃO - CHAMADA E DONS ESPIRITUAIS - SEGUNDA PARTE
VOCAÇÃO
E CHAMADA E SUA RELAÇÃO COM OS DONS ESPIRITUAIS
SEGUNDA PARTE
Na Vocação Geral, como já dissemos,
todos os crentes estão incumbidos e comprometidos com o testemunho de Cristo,
independentemente dos dons espirituais que tenham recebido do Espírito Santo.
Já, na Vocação Específica, há uma harmonia entre o chamado de Deus e os dons
espirituais recebidos pela pessoa chamada. Quando a Bíblia preconiza que todos
os crentes são vocacionados, ela o faz na base dos dons espirituais que cada um
recebe, dons, esses, correspondentes com os ministérios que irão exercer.
Essa correspondência entre dom e
chamada pode ser constatada facilmente nos exemplos das chamadas específicas já
demonstradas, tanto no Antigo como no Novo Testamento.
Deus não chama pessoas para
determinados ministérios sem que elas tenham os dons correspondentes para
exercê-los, nem mesmo sem que elas tenham talentos, aptidões, tendências e até
mesmo preferências e “jeito” por tal ministério.
Por isso, convocações de caráter muito
geral e envio aleatório de pessoas para campos missionários, do tipo “faltam
cinco pessoas para compor o grupo que vai para o país tal” sem se levar em
conta os dons dos convocados, são convocações temerárias.
Elas podem trazer problemas tanto para
os campos missionários para onde cada elemento vai, como para o próprio
elemento, com o perigo de desencorajá-lo mais do que incentivá-lo.
Estamos vivendo uma época em que
convocações de missionários temporários e voluntários em missões tornaram-se
muito comuns. Igrejas têm enviado grupos e até caravanas para campos
missionários, esperando que lá todos façam missões. A iniciativa não é má, em
si. Mas, corre-se sempre o risco de enviar gente que nunca teve um chamado
específico e nem tem os dons necessários para os trabalhos a que está se
propondo.
Convocação missionária é coisa séria e
não pode ser feita na base de impactos, sensacionalismo e emoções, e os alvos
dos convocados devem ser bem definidos. Sem exagero, é possível até que alguns
aproveitem a ocasião para fazer turismo, especialmente se o campo missionário
proposto for algo exótico ou se for mesmo um ponto turístico.
Tenho ouvido, entretanto, mais do que
uma vez, testemunho de gente que esteve em campo missionário e demonstrou, em
palavras e gestos, o quanto estava alheia à realidade do que estava fazendo.
Certa vez ouvi o testemunho de um jovem que serviu por um tempo como voluntário num desses conhecidos trabalhos com dependentes químicos. Quando ele chegou à parte da história onde tinha até que “dar banho” em alguns dos dependentes químicos, ele deixou transparecer, no rosto e em suas palavras, a sua “repugnância” pelo trabalho que havia feito.
Uma grande pena, pois seria
exatamente num serviço como esse que uma pessoa dotada para a função,
demonstraria seu amor, seu carinho, sua compaixão pelo dependente químico,
levando-o a entender o amor de Cristo e ter sua vida por ele transformada.
É bom que a igreja envolva toda a sua
membresia no trabalho de evangelização e missões, mas deve-se tomar o cuidado
de não se introduzir pessoas em campos missionários e em outros trabalhos, fora
de seus dons espirituais e de sua proficiência.
UMA VEZ QUE TODOS SÃO CHAMADOS E
CONVOCADOS, PODEMOS DIZER QUE TODOS SÃO MISSIONÁRIOS?
Ora, ninguém pode dizer “sim” ou “não”
com absoluta segurança hermenêutica, já que as palavras “missão” e
“missionário” não se encontram na Bíblia, no Novo Testamento Grego. Aparece,
sim, a palavra “missão” em dois versículos da Bíblia, em algumas versões em
Português. Em Atos 12.25, por exemplo, quando Barnabé e Saulo voltam de
Jerusalém para Antioquia, a Bíblia Sagrada Almeida Século 21 diz: “E, havendo
concluído sua missão (grifo meu), Barnabé e Saulo voltaram de Jerusalém,
levando consigo João, também chamado Marcos”. Mas ali, a palavra “missão” é a
tradução da palavra diaconia, do grego, de onde vem nossa palavra “diácono” que
significa “serviço”. Esta passagem não indica, portanto, que a palavra “missão”
esteja no Novo Testamento.
O outro texto onde a palavra “missão”
aparece é 1Timóteo 2.15, falando da missão de mãe ao dar à luz filhos. Ali
algumas versões dizem: “cumprindo a sua missão de mãe” e outras dizem: “dando a
luz filhos”. O texto grego traz a palavra teknogonias (junção das palavras
teknon filho’ + gonias, que vem de gune ‘mulher’). Assim, este também não serve
para a nossa análise.
O que nos resta, então? Resta fazer uma
análise da palavra “missão” a partir do Latim, pois foi depois que a Bíblia foi
traduzida para essa língua que o costume de chamar os “enviados” de
missionários, começou a ser usado e se internacionalizou.
No Latim, a palavra “missão” é missio e
“missionário” vem de mittere, que significa “enviar”. Ora, a palavra “enviar”,
é muito comum no Novo Testamento Grego, já que ali ela é expressa pela palavra
apostello, muito conhecida nossa, de onde vem a palavra “apóstolo” que
significa justamente “enviar”. Assim, podemos dizer, com segurança, que, se a
palavra “missionário” não se encontra na Bíblia, o seu significado permeia toda
a Escritura, do Gênesis ao Apocalipse.
É por isso que a maioria dos estudiosos
dos dons espirituais colocam a palavra “missionário” como um dom (ou uma
função) e a associa à palavra apóstolo, para se referir a pessoas que recebem o
dom e a chamada de Deus para iniciar o trabalho em campos ou em situações
pioneiras, seja nas circunvizinhanças da igreja, seja em campos distantes, seja
em qualquer outro lugar no reino de Deus.
Buscando ainda o sentido das palavras
“missão” e “missionário”, vejamos como o Dicionário Aurélio as define:
Missão: “Função ou poder que se confere
a alguém para fazer algo; encargo, incumbência.
2. Função especial da qual um governo
encarrega diplomata (s) ou agente (s) junto a outro país; comissão diplomática.
3. O conjunto das pessoas que receberam
um encargo religioso, científico, etc.
4. Ofício, ministério.
5. Obrigação, compromisso, dever a
cumprir.
6. Prédica ou sermão doutrinal.
7. estabelecimento, instituição ou
instalação de missionários para pregação da fé cristã.
8. Os missionários”
Missionário: “Aquele que missiona;
pregador de missões.
2. Propagandista, defensor,
propugnador.
3. Relativo ou pertencente às missões.
Vamos tentar aclarar um pouco mais a ideia, falando de missionário no sentido “Geral” e “Específico”, como vimos fazendo até aqui com o assunto da vocação.
Vamos dizer que num sentido geral, todos os crentes são missionários porque todos têm uma missão a cumprir, seja em campos missionários, seja no contexto de suas igrejas, seja em suas profissões seculares.
Mas, no sentido específico, em que alguém deixa sua cidade, seu
estado, seu país, ou deixa sua profissão, seu ganha-pão, para servir a Deus em
outro lugar ou numa outra situação, de forma definida, esse alguém é
missionário. Os demais que continuam exatamente onde estão, fazendo o que
sempre fizeram, continuam sendo chamados e vocacionados, sim, no sentido geral,
comprometidos que são com o seu testemunho cristão, mas não é próprio chamá-los
necessariamente de missionários.
Vamos dar alguns exemplos: Imaginemos
três moças, todas elas com a profissão de professora em escolas públicas, todas
com aptidão para trabalhar com crianças e todas da mesma igreja. Vamos dizer
que uma delas decida trabalhar com as crianças da igreja nos horários
convencionais, e faça isso sempre, com muito amor e carinho e com muita
dedicação, mantendo, contudo, sem alteração, sua função de professora pública,
seu estilo de vida, etc. etc. Essa irmã estará certamente cumprindo a sua
vocação geral, usando o seu dom no contexto da igreja e é, indubitavelmente,
uma obreira do Senhor.
Mas, não seria próprio chamá-la de
missionária, necessariamente, não obstante à sua dedicação ao que faz.
A outra, entretanto, percebe logo os problemas enfrentados pelas crianças nas varias escolas públicas da cidade e decide formar uma associação para ajudar essas crianças.
Vê que o trabalho irá exigir seu tempo integral, de modo que se demite da sua função de professora pública para se dedicar exclusivamente à associação. Incontinente, sua igreja decide adotá-la, dando a ela um sustento correspondente ao seu salário de professora pública (que, por sinal, aqui entre nós, não seria muita coisa…).
Essa irmã não pode ser considerada simplesmente como uma pessoa crente que usa os seus dons e talentos no contexto de sua igreja. É evidente que ela está fazendo e iniciando muitas coisas novas:
Primeiro, ela está iniciando um novo
movimento fora das fronteiras de sua igreja, está colocando novos fundamentos
na Educação, em termos de Comunidade, em termos de Município, e está sendo uma
pioneira naquela iniciativa cristã.
Segundo, ela passa a ser uma espécie de
embaixatriz de sua igreja, na comunidade. Esta é uma missionária em todos os
sentidos da palavra.
A terceira tem a sua classificação mais
fácil ainda de se definir, porque irá receber o chamado de Deus para trabalhar
com crianças num Lar de Crianças no interior do Brasil, a qual será também,
certamente, adotada pela igreja.
Outro exemplo: A igreja tem um
missionário que trabalha num certo país, fora do Brasil. De vez em quando ela
manda uma equipe formada pelos membros da igreja para colaborarem, de alguma
maneira, no trabalho do missionário.
Ficam lá uma semana, duas, um mês, e
depois voltam, cada um para o seu lugar e para a sua função anterior. Daí, eles
passam a chamar todos os membros da equipe de “nossos missionários” e passam a
dizer que a igreja está fazendo missões, através deles.
Bem, que eles estiveram num campo
missionário por um tempo e deram cada um a sua colaboração, de alguma maneira,
é verdade; que eles viram e experimentaram as coisas que existem por lá, também
é verdade; que eles fizeram seu papel de crentes dedicados, não há dúvida, mas
chamá-los de missionários, não seria apropriado.
Alguns de meus filhos (tenho sete)
tiveram a oportunidade de exercer ministério na aldeia onde trabalho: Alberto
ensinou violão, Sílvia ensinou flauta doce, Daniel e sua esposa Monique deram o
curso “Casados Para Sempre” e Suely, com seu esposo Tércio, ministraram várias
palestras para casais. Mas nenhum deles sequer pensou, de si mesmo, que fosse
um missionário.
Outro exemplo ainda: A igreja tem um grupo que gosta de fazer trabalhos sociais. Eles visitam Lares de Crianças, em sua própria cidade, distribuem brinquedos e usam da oportunidade para pregarem o evangelho para as crianças. Eles fazem isso com muito amor e carinho e com muita dedicação, é claro. Você acha que eles estão apenas cumprindo sua vocação e chamada geral, estão apenas usando os seus dons e talentos no contexto da igreja para abençoar as pessoas da comunidade, com seu trabalho social, ou você acha que eles podem também ser chamados de missionários? Deixo com você a resposta…
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