ANTROPOLOGIA E MISSÕES
ANTROPOLOGIA DA COMUNICAÇÃO E AS
DEMANDAS MISSIONÁRIAS
Há contínua necessidade da Antropologia missionária prosseguir em
outros degraus de estudo, pesquisa e aplicação. Por um lado, devido a sua
ênfase etnográfica estudos foram feitos em milhares de grupos e segmentos sociais
nos últimos 150 anos envolvendo cosmovisão, organização social e análise
linguística.
Se a experiência de campo é um
ponto forte entre a comunidade missionária mundial, a ausência de métodos de
pesquisa tem sido um de seus desafios. Diversos métodos surgiram no
intuito de fornecer ao segmento missionário ferramentas de pesquisa, estudo e
comunicação em contexto intercultural, especialmente ligados às sociedades
missionárias no século 19 e início do século 20.
Outros, com maior rigor
científico, surgiram a partir da década de 60. Basicamente são métodos em três
áreas distintas: a antropologia (métodos etnográficos e de registro cultural),
a linguística (métodos de análise linguística e tradução da Bíblia), e a
missiologia (métodos de evangelização transcultural e plantio de igrejas
culturalmente relevantes).
De forma geral poderíamos
afirmar que o contexto de treinamento missionário necessita passar de sua fase
etnográfica e adentrar a etnológica. É preciso não se contentar tão somente na
coleta sistemática de dados culturais, mas também em sua análise e compreensão,
e nesta direção há duas áreas de forte carência de atenção nos estudos e
preparo missionário mundial: o estudo da identidade cultural e a comunicação
intercultural.
Laburthe-Tolra e Warnier conceituam identidade como “um princípio de coesão por uma pessoa ou grupo. Ela
permite que se distingam dos outros, se reconheçam e sejam reconhecidos” (1997, p. 420). Os estudos identitários são de vital importância
para uma compreensão mais profunda do outro (como ele se vê), sua percepção de
pertencimento e para tornar os encontros e diálogos inteligíveis e aplicáveis.
A ausência deste estudo fatalmente conduzirá a intervenções
desfavoráveis ao contexto e real necessidade do grupo com o qual se relaciona.
Identidade cultural é um estudo utilizado para o desenvolvimento de padrões de
observação, compreensão e relacionamento entre culturas, o que sugere uma forte
influência não apenas nos aspectos relacionais mas também comunicacionais entre
os grupos.
William Gudykunst e Bella Mody em sua obra Handbook of Intercultural and International Communication fazem uma diferenciação intencional e sistemática entre
comunicação transcultural, intercultural e internacional. Identifica
comunicação transcultural como sendo comparativa, entre elementos e segmentos
de culturas distintas.
O objetivo primário da comunicação transcultural é a compreensão a
partir do ponto de vista do experimentador da cultura observada ou estudada.
Desta forma, a transculturalidade torna-se, como área de pesquisa e estudo,
ferramental e útil, sobretudo para ambientes de construção de relacionamentos,
negociações e comércio (GUDYKUNST & MODY, 2002)
Poderíamos afirmar que comunicação intercultural, por sua vez, tem
o seu foco na comunicação entre pessoas de culturas distintas sendo menos
comparativa e mais relacional. O objetivo principal da comunicação
intercultural é a troca (de informação, conceitos, vivência e/ou qualquer outra
área de conhecimento e cultura) a partir das relações comunicacionais.
A interculturalidade, portanto, pode ser vista como um fenômeno de
encontro de culturas e troca de conhecimento e vivência. Se por um lado é
menos utilitária que a comunicação transcultural, em que distingue de forma
plena o transmissor do receptor, por outro propõe-se a gerar um ambiente
favorável a relações mais profundas em que transmissor e receptor se fundem na
busca pelo sentido, conhecimento e diálogo.
De certa forma poderíamos afirmar que enquanto a comunicação
transcultural objetiva a compreensão (de um sobre outro), a intercultural propicia o diálogo (de
um com o outro). Comunicação intercultural e internacional também
constituem áreas de diferentes focos e pesquisas, visto que nasceram a partir
de demandas igualmente distintas.
A comunicação intercultural parte da análise do indivíduo e sua
sociedade, seu bojo cultural e sua cosmovisão. A comunicação internacional
parte de uma análise mais contextual, da nação, país, empresa ou qualquer outro
ambiente que lhe sirva de plataforma para a definição do contexto de análise,
com suas normas, conceitos, organização e cultura. Enquanto a primeira se
propõe a gerar elos, relacionamentos dialógicos na construção de valores, a
segunda busca soluções para mútuo entendimento na construção de programas e projetos.
Poderíamos, portanto, sugerir que a antropologia missionária
seja dialógica (por se fundamentar na troca de informações e percepções da
visão de mundo),relacional (que se desenvolve nos ambientes de relacionamento
pessoal), intercultural (ambienta-se na sociedade humana e no encontro de
culturas), ideológica(objetiva comunicar valores bíblicos) e comunicacional (valoriza
os processos de transmissão da mensagem na língua do grupo com o qual se
relaciona).
EVANGELIZAÇÃO E CATEQUESE
A antropologia missionária cristã, buscada e defendida, não é
impositiva nem destruidora de culturas, pois contém salvaguardas éticas e
relacionais, que são também bíblicas. As ações missionárias, porém, são
julgadas ao longo da história (e ainda o são hoje) a partir dos fantasmas da
imposição catequista que houve durante os processos colonialistas.
Deve-se fazer, portanto, a diferença entre evangelização e
catequese, diferenciação esta não apenas metodológica, mas conceitual, ou seja,
que expressa as transformações quanto a abordagem do outro e exposição do
evangelho nos últimos séculos.
Por catequese me refiro não apenas ao modelo tradicional católico
romano, mas a qualquer modelo – cristão ou não cristão, católico ou evangélico
– que se baseie:
(1) na imposição de valores em lugar de sua exposição,
(2) nos códigos de quem transmite e não de quem recebe,
(3) na proposta de relação do grupo alvo com a igreja-instituição
e não com a igreja-pessoas, no alvo de
adequar o ouvinte a uma forma religiosa nominal, e
(5) não ajudá-lo a compreender o sentido do evangelho.
Assim, propõe-se uma comparação didática. Enquanto a evangelização
se dá com os códigos do ouvinte, (língua materna e cultura) a catequese ocorre
com os códigos do transmissor.
A evangelização se concentra na mensagem do evangelho a ser
transmitida enquanto a catequese se centraliza nos símbolos e estrutura da
igreja que o faz. Se por um lado a evangelização tem como alvo o povo e a
geração de um acesso ao conhecimento de Cristo, a catequese visa a
igreja-instituição e seu fortalecimento estrutural.
A evangelização é dialógica e relacional, uma vez que utiliza de
processos de conversação, exposição e discipulado, que visa o entendimento da
mensagem e sua aplicação na vida diária. A catequese é impositiva e
distanciada, pois ocorre no ensino não dialogado e em um ambiente de
transmissão sem conversação, quase puramente litúrgico.
A antropologia missionária possui a função de, por meio da
educação antropológica, evitar os processos de catequese e fomentar a
evangelização com característica dialógica, ética, relacional, inteligível e
funcional.
ÚLTIMAS PALAVRAS
Ao longo de um século e meio de publicações antropológicas com
aplicabilidade missionária podemos observar o grande valor que antigos
missionários, bem como sociedades missionárias, deram ao uso da antropologia
para o direcionamento de suas abordagens de campo e o treinamento das novas
gerações. Pontuo alguns valores da antropologia missionária:
1. Leva a perceber os
diferentes contextos no qual se está inserido, e prepara para neles transitar.
2. Expõe a importância e
complexidade da cultura, bem como as possibilidades científicas de
interpretá-la.
3. Identifica os
mecanismos sociais que colaboram para melhor aquisição linguística e integração
pessoal no grupo abordado.
4. Conscientiza que todo
encontro cultural é um processo de troca e, como tal, ao mesmo tempo rico e
sensível.
5. Destaca a relevância da
compreensão da cultura para o desenvolvimento de ações comunitárias que evitem
o paternalismo, o assistencialismo e o imposicionismo.
6. Colabora na
identificação, com o grupo, das áreas de carência e demanda social e as
possibilidades de ações de minimização do sofrimento humano.
7. Instrui sobre a
abordagem evangelizadora, para que seja inteligível para o receptor e ética
entre as partes.
8. Apresenta a sociedade
humana de forma completa, inserida em sua cultura, e não divorciada do seu
contexto e história.
9. Capacita metodológica e
cientificamente para a análise cultural e os processos de comunicação interpessoal,
cultural, transcultural, intercultural e internacional.
10. Ajuda a apresentar
Jesus Cristo como a verdade de Deus para o próprio povo, em sua visão de mundo,
e não como uma história distanciada do grupo.
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