PANORAMA MUNDIAL - PESQUISA DA COMIBAM

  

A LACUNA NA OBRA MISSIONÁRIA


Decio de Carvalho 

 

O ESTADO DO MUNDO

Nunca houve tantas pessoas vivas no planeta como há hoje. A população mundial de 7,7 bilhões (1) em 2019 está aumentando em pouco mais de um por cento ou 84 milhões/ano, ou 230.000 por dia, com uma população projetada de 8,5 bilhões em 2029. Esse é um número alucinante de seres humanos; quase impossível de se imaginar. Atualmente, 28% deles, cerca de 2,1 bilhões (2), são considerados não-evangelizados (3), um grupo que se estima aumentar em 20 milhões, ano após ano. Aqueles que se identificam como cristãos são 2,4 bilhões, 33% da população mundial (4), uma porcentagem que não aumenta proporcionalmente há mais de 100 anos. Por que isso acontece?

 

A Conferência Mundial de Missões de 1910, realizada em Edimburgo, Reino Unido, teve o objetivo de abordar a lacuna global entre aqueles que ouviram o evangelho de Jesus e os que não ouviram, examinando “missões do Ocidente para o restante”, com perspectiva de natureza “monocêntrica”.

 

Esta conferência deu origem a várias outras, igualmente interessadas em estender as fronteiras da evangelização aos quatro cantos da terra.

 

Uma delas foi o Congresso de Lausanne e o resultante Pacto de Lausanne de 1974, cobrindo muitas questões de missiologia e estabelecendo um credo evangelístico para todos os cristãos e comunidades que era verdadeiramente “poliglobal”.

 

No mundo de hoje, essa visão é representada pela ideia de que “missão é ‘de todos para todos os lugares’” (5). Então, por que a porcentagem de cristãos não aumentou com a população? Parece que, apesar do número de organizações cristãs concentradas em alcançar aqueles que ainda não conhecem o evangelho e não adotaram a realidade da graça salvadora de Deus por meio de Jesus, ainda existe uma lacuna entre aqueles que ‘vão’ e aqueles que ‘conhecem’.

 

Uma lacuna que está sempre aumentando. E sobre o número estimado de 86% de todos os hindus, budistas e muçulmanos que não conhecem pessoalmente um cristão? Considerando que, até 2020, 66% de todos os cristãos estarão no Sul global, a cara da missão mudou? Ou a necessidade de missão?

 

Embora existam sinais encorajadores, em todo o mundo, de que o número de cristãos está crescendo, com evangélicos e pentecostais/carismáticos atualmente totalizando 1,05 bilhão, crescendo em cerca de 2,2%/ano, a porcentagem global daqueles a serem alcançados continua a crescer e, assim, há mais não-crentes vivos hoje do que em qualquer outro momento da história. Então, o que está acontecendo para alcançá-los?

 

Nos tempos recentes tem havido crescente conscientização e esforço para que a igreja mundial e todas as iniciativas missionárias trabalhem juntas para criar parcerias equitativas, fornecendo expertise, treinamento e inovação, obreiros, proximidade cultural, zelo e equipes missionárias internacionais integradas. No entanto, o número de pessoas que entram em missão intercultural ativa está aumentando apenas 0,28% ao ano (8), um número que não está acompanhando a taxa de natalidade global.

 

A realidade das estimativas é preocupante. O que está acontecendo no mundo missionário cristão?

 

FAZENDO UM BALANÇO

 

A Operação Mobilização (OM) é uma agência missionária cristã internacional e interdenominacional, envolvida com missões globais desde os anos 50. Para dar sentido a essa lacuna entre teologia e ação, encomendou um estudo recente chamado A Lacuna da Missão.

 

A visão da OM é ser “comunidade global de seguidores de Jesus, unida para levar o amor de Deus a quem não o conhece” (12). À medida que a OM trabalha em direção a esse objetivo, essa pesquisa e os dados de outros estudos mostraram que “os esforços de mobilização da igreja só conseguiram envolver aproximadamente 440.000 (menos de um décimo de um por cento) do corpo de Cristo na missão transcultural.

 

E os cristãos hoje destinam menos de 2% de seu dinheiro para causas cristãs e menos de 6% disso é para missão estrangeira”. Essa é uma lacuna substancial entre o número daqueles que professam ser cristãos e aqueles que estão comprometidos com a Grande Comissão de Jesus em ir a todo o mundo e compartilhar Sua mensagem, vivendo-a no testemunho e no exemplo cristãos, como uma ordem para todos os cristãos. O estudo continuou para identificar os motivos dessa lacuna.

 

O ESTUDO

 

Grupos focais foram realizados em seis países: Austrália, Brasil, Chile, Alemanha, Gana e Hong Kong, para descobrir se os cristãos entendem o chamado de Deus à missão global, como eles enxergam os problemas do mundo, como sentem que o trabalho missionário pode ajudar a resolver problemas do mundo e para identificar as barreiras que os impedem de tomar uma ação missionária.

 

O objetivo da pesquisa era entender e depois decidir como envolver os seguidores de Jesus mais efetivamente na missão. Os participantes não sabiam a identidade da organização que comissionou o estudo. Os resultados foram analisados ​​de acordo com a demografia, idade, crenças pessoais e entendimento do mandato de Jesus, juntamente com barreiras pessoais que limitam ou impedem a atividade missionária. Os resultados foram surpreendentes, encorajadores e informativos, fornecendo insights sobre como corrigir a Lacuna da Missão.

 

PONTOS DE VISTA PSICOGRÁFICOS

Na Ásia, os grupos concordaram que os cristãos deveriam ajudar os outros, compartilhando o amor de Cristo por meio do comportamento cotidiano. “Ele nos pede para ajudar as pessoas da melhor maneira possível, não importa se as conhecemos ou não, sempre que elas precisarem [de nós].”

Em outra região, os grupos sentiram que as instruções de Cristo e o exemplo foram o principal motivador para agir de forma missionária.

Todos eles acreditavam que o comportamento amoroso e a ação positiva deveriam derivar diretamente da fé em Cristo. “Somos embaixadores de Cristo. Portanto, temos que representar o Senhor aqui” foi expresso nos grupos de discussão.

Para outros grupos bem fundamentados nas escrituras, houve um firme reconhecimento de que eles são chamados a ser “sal neste mundo” e a mostrar Cristo a outras pessoas pela pregação, compartilhando amor e vivendo o exemplo de Cristo como Seus filhos, chamados por meio de Sua Palavra.

E outros grupos estavam entusiasmados e motivados a compartilhar Cristo em todos os lugares, o que é fortemente ensinado pelas igrejas como um mandato bíblico: “[Jesus] disse que deveríamos ir ao mundo para pregar a Palavra. Portanto, se você é cristão, como eu, é seu dever evangelizar, como mandamento do Senhor – colher almas para Ele.”

MOTIVAÇÃO PARA AGIR

Ao serem convidados a considerar quais declarações motivacionais eram mais inspiradoras, os grupos se diferenciaram.

Em uma região, os grupos focais concordaram com estas declarações de problemas: ‘O Mundo está Quebrado’ e ‘Muito Mais é Possível”.

Sentiram compaixão pela situação dos cristãos menos afortunados e reconheceram que poderiam fazer melhor. No entanto, um grupo de participantes entre 18 e 34 anos colocou a missão global como uma prioridade muito baixa em suas vidas.

Em outra região, os grupos defenderam ‘Muito Mais é Possível’ e ‘Sem Escolha. Sem Liberdade’ como as mais motivacionais, porque sentiram que a vida vai além e que “como cristãos, queremos fazer algo sobre isso”, mas mencionaram que não são apenas os cristãos que sentem isso.

Outros escolheram ‘A Separação de Deus Machuca o Mundo’, que inclui sentimentos de “solidão”, “violência”, “tristeza” e “desesperança”, porque os principais problemas globais decorrem da separação de Deus.

Declarações motivacionais para resolver problemas: ‘Você é Moldado de Maneira Única’, que mostra uma “imagem positiva” e ‘Inovação em Missão’, que traz “esperança, coragem e confiança”, ao mesmo tempo em que dá voz à “mudança necessária” e à “chance de educação para todas as pessoas” eram populares e inspiradoras para a maioria.

No entanto, alguns grupos consideraram que ‘Ele é o Exemplo’ era a solução mais eficaz e inspiradora: “Jesus é o nosso exemplo e, portanto, somos chamados a ‘amar o próximo’, ‘compartilhar nossa fé e esperança’ e colocar a ‘mão na massa’ pela vida dos outros.

Outros grupos também escolheram ‘Ele é o Exemplo’ pela inspiração em “seguir o exemplo de Jesus”, compartilhando “esperança”, “felicidade” e, acima de tudo, “amor” por um mundo corrompido.

 

 

NÃO ENVOLVIMENTO PELO MEDO

 

Todos os grupos em todo o mundo deram o medo como principal razão para seu não envolvimento. Uma pessoa disse: “[estou] com medo de entrar nesse ambiente … minha igreja envia pessoas para a África… e elas adoram, mas o conceito de ir a um país onde não há médicos e coisas assim me assusta  demais”. Outro participante acrescentou: “ninguém seria voluntário para isso.

Talvez haja um por cento das pessoas que iriam ao Afeganistão para dar a vida. Quem se muda voluntariamente para outro país e deixa tudo parado… e ainda não sabe falar a língua? Eu nunca faria isso.” Um participante respondeu: “você não pode ter uma vida lá; os membros de nossa família não estão lá”.

Outros contribuíram com o debate mencionando não ter os meios financeiros necessários e falando sobre as barreiras à saúde no exterior.

De todos os grupos, alguns não se concentraram nos medos como barreiras ao engajamento missionário, embora um participante tenha expressado temores sobre a violência no mundo.

Alguns grupos reconheceram medos, mas expressaram um forte desejo de superá-los e de se envolver. O custo e o tempo para participar na missão global eram as principais barreiras, mas “onde não posso ir, meu dinheiro pode ir” indica que existem várias maneiras de se envolver pessoalmente na missão.

Alguns também afirmam a necessidade de transparência nas organizações envolvidas na missão em relação a integridade financeira.

CONCLUSÃO DA PESQUISA

 

Os cristãos compreendem seu chamado para compartilhar com os outros o amor de Cristo. A motivação deles para fazer isso é diferente – seja a partir de valores pessoais ou como um código moral, em vez de como uma declaração missionária bíblica. Em resumo, eles não têm clareza sobre o que exatamente significa missão global. Como essa visão poderia ser esclarecida?

De acordo com Mateus 28, versículos 17 a 20, como seguidores de Jesus, que O reconhecem como nosso Senhor e Salvador, digno de toda a nossa adoração, somos todos chamados a participar da tarefa de apresentar o Evangelho, em palavras e ações, a cada pessoa, e discipulá-las.

Esse entendimento pressupõe que cada líder de igreja e ministério desempenha um grande papel em comunicá-lo aos cristãos por meio da pregação, estudo da Bíblia, educação teológica e outros meios.

Uma conclusão significativa desta pesquisa é que pessoas em várias regiões e países respondem de maneira diferente ao mandato da missão bíblica. Isso implica que a abordagem de mobilização nessas regiões e nações precisa não apenas declarar o mandato bíblico, mas também contemplar o que motiva, encoraja as pessoas.

Houve fatores comuns: a necessidade de explicar de forma clara e aberta as carências, juntamente com as circunstâncias e o apoio disponível aos missionários nos vários campos. E medo. O medo é frequentemente o resultado de experiências passadas, consequências futuras imaginadas e falta de informação. Mas também pode ser aproveitado para incentivar a crença e a confiança no Deus que guia, salva e protege, assim como transforma o mundo.

A Lacuna da Missão não é inacessível. Pode ser uma ponte. Mas será preciso honestidade e conscientização por parte dos cristãos em todo o mundo, e particularmente daqueles que têm papéis de liderança em igrejas e entidades missionárias, juntamente com a aceitação dos desafios nas crenças pessoais e nas características nacionais, e a vontade de fazer esforços ainda mais concertados para aceitar o mandato de Jesus de ir ao mundo e compartilhar Seu amor com todos os que dele precisam.

Se você deseja aprofundar-se no entendimento da Lacuna na Missão e no que está limitando os cristãos de participarem mais na missão de Deus, leia o relatório. E, por favor, intensifique suas orações e ações, conforme Deus o guiar.

Para obter mais informações ou uma cópia da pesquisa A Lacuna na Missão, ou se integrar ao debate sobre A Lacuna na Missão, entre em contato com www.missiongap.org.

 

Fonte: Decio De Carvalho

Bibliografia

(1) Estimativas geradas em https://population.un.org/wpp/DataQuery/ 17 de abril de 2019.

(2) Como número absoluto está aumentando. Como porcentagem da população mundial, está realmente diminuindo muito lentamente.

(3) Este número é baseado na projeção de não evangelizados 2019 do Centro para o Estudo do Cristianismo Global, de 2.188.000.000 não evangelizados ou 28,4% da população mundial. Gina A. Zurlo, Todd M. Johnson e Peter F. Crossing, “Cristianismo 2019: O Que Falta? Um Apelo a Mais Pesquisas”, Boletim Internacional de Pesquisa de Missões 43, n. 1 (janeiro de 2019): 92-102, https://doi.org/10.1177/2396939318804771. O número também corresponde ao 1,7 – 1,9 bilhão relatado por Johnstone (dado de 2010), que era de 25% – 27% dos 6,8 bilhões da população mundial na época. Patrick J. St G. Johnstone, O Futuro da Igreja Global: História, Tendências e Possibilidades (Colorado Springs, CO: [Bucks, Inglaterra]: Biblica; WEC International, 2011). A rede Ethne também usa esse número (correspondência de Justin Long por e-mail com a DG, julho de 2018).

(4) Esse número cresce 0,10%/ano. Este número inclui qualquer pessoa que se identifica como cristã, independentemente de sua denominação ou se são nominais ou praticantes. Zurlo, Johnson e Crossing, “Cristianismo 2019”.

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