TEOLOGIA BÍBLICA DA VOCAÇÃO E CHAMADA (REFLEXÃO)

 



 Autor: Pastor Rinaldo de Mattos


  

Há três pressupostos fundamentais, nas Escrituras, sobre a Teologia Bíblica da Vocação e Chamada que devem ser considerados, a priori, em qualquer análise: 

PRIMEIRO, que as duas expressões, “Vocação” e “Chamada”, são uma só e a mesma coisa.

Ambas provêm do verbo grego kaleo que significa “chamar ou convocar”. Tanto que, neste artigo, ambas são tratadas como uma unidade só. 

SEGUNDO, que a Bíblia se reporta a duas naturezas diferentes de Vocação e Chamada: A “Vocação e Chamada Geral”, na qual podemos afirmar que todos os crentes são chamados, ou seja, todos os crentes são vocacionados e a “Vocação e Chamada Específica”, na qual Deus escolhe, a dedo, no tempo e no espaço, pessoas especialmente dotadas para trabalhos e ministérios específicos, na igreja e fora dela. 

TERCEIRO, a Chamada e Vocação Geral, é feita independentemente dos dons, talentos, habilidades e preferências de cada um. Todos, sejam quais forem os seus dons e capacidades, têm a mesma e única incumbência. Já, a Chamada e Vocação Específica, aquela que acontece no tempo e no espaço, leva em conta os dons e talentos de cada um, bem como suas tendências, suas preferências, e com eles e elas se harmoniza.

A igreja, como agência, por excelência, do reino de Deus, na terra, deve estar atenta a essas duas naturezas de Vocação e Chamada, dando a ambas o mesmo enfoque, com a mesma intensidade, sem jamais privilegiar ou priorizar uma em detrimento da outra.

Deus convoca tanto cada crente, membro da igreja, para fazer o trabalho de evangelismo e assistência social, em sua vizinhança (sua Jerusalém), como convoca também crentes devidamente dotados para fazer missões além das fronteiras geográficas, culturais e linguísticas da igreja. A tarefa da igreja é, portanto, mundial, e sua visão deve ser a visão do “Todos”, conforme os textos da Grande Comissão, desde Jerusalém até os confins da terra.

As duas naturezas da Vocação e Chamada de Deus, nas Escrituras, podem ser vistas claramente, sem muito exercício de hermenêutica, tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Se não, vejamos:

A VOCAÇÃO E CHAMADA GERAL, DE ISRAEL, NO VELHO TESTAMENTO

·         “Agora, portanto, se ouvirdes atentamente a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade exclusiva dentre todos os povos, porque toda a terra é minha; mas vós sereis para mim reino de sacerdotes e nação santa. Essas são as palavras que falarás aos israelitas.” (Êxodo 19.5,6)

·         “Mas agora, assim diz o SENHOR que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te salvei. Chamei-te pelo teu nome; tu és meu… Porque eu sou o SENHOR, teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador… Visto que és precioso aos meus olhos e digno de honra, e porque eu te amo, darei pessoas por ti e os povos pela tua vida… Não temas, porque eu sou contigo… Vós sois as minhas testemunhas, diz o SENHOR, e o meu servo, a quem escolhi,” (Isaias 43.1-10)

A VOCAÇÃO E CHAMADA ESPECÍFICA, NO VELHO TESTAMENTO

Abraão: “E o SENHOR disse a Abrão: Sai da tua terra, do meio dos teus parentes e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei. E farei de ti uma grande nação, te abençoarei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção.” (Gênesis 12.1,2)

Moisés: “Agora, portanto, vai. Eu te enviarei ao faraó, para que tires do Egito o meu povo, os israelitas. Então Moisés disse a Deus: Quem sou eu para ir ao faraó e tirar os israelitas do Egito? Deus lhe respondeu: Certamente eu serei contigo, e isto será um sinal de que eu te enviei: Quando houveres tirado o meu povo do Egito, prestareis culto a Deus neste monte.” (Êxodo 3.10-12)

Josué: “Depois da morte de Moisés, servo do SENHOR, este falou a Josué, filho de Num, auxiliar de Moisés: Meu servo Moisés está morto; prepara-te agora, atravessa este Jordão, tu e todo este povo, para a terra que estou dando aos israelitas. Ninguém poderá te resistir todos os dias da tua vida. Como estive com Moisés, assim estarei contigo; não te deixarei, nem te desampararei. Esforça-te e sê corajoso, porque farás este povo herdar a terra que jurei dar a seus pais.” (Josué 1.1-2, 5-6)

Isaías: “Depois disso, ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei? Quem irá por nós? Eu disse: Aqui estou eu, envia-me.” (Isaías 6.8).

Jeremias: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que nascesses te consagrei e te designei como profeta às nações. Então eu disse: Ah, SENHOR Deus! Eu não sei falar, pois sou apenas um menino. Mas o SENHOR me respondeu: Não digas: Sou apenas um menino; porque irás a todos a quem eu te enviar e falarás tudo quanto eu te ordenar”. (Jeremias 1.5-7)

A VOCAÇÃO E CHAMADA GERAL DA IGREJA NO NOVO TESTAMENTO

·         “Mas vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, para que anuncieis as grandezas daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (1Pedro 2.9)

·         “Ele nos salvou e nos chamou com uma santa vocação, não por causa das nossas obras, mas devido ao seu propósito e à graça que nos foi concedida em Cristo Jesus antes dos tempos eternos”. (2Timóteo 1.9)

·         “Vós sois o sal da terra; mas se o sal perder suas qualidades, como restaurá-lo? Para nada mais presta, senão para ser jogado fora e pisado pelos homens.” (Mateus 5.13)

·         Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. (Mateus 5.14)
Por essa Vocação e Chamada Geral, não somente a igreja como um todo, mas cada crente em particular, está devidamente chamado e convocado para dar o testemunho de Cristo, ser o sal da terra e a luz do mundo, e servir ao Senhor segundo os seus dons, onde estiver e para onde for.

A VOCAÇÃO E CHAMADA ESPECÍFICA NO NOVO TESTAMENTO

Pedro, André, Tiago e João: “Andando às margens do mar da Galileia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Eles estavam lançando as redes ao mar, pois eram pescadores. E disse-lhes: Vinde a mim, e eu vos farei pescadores de homens. Imediatamente, eles deixaram as redes e o seguiram.

Passando mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. Ambos estavam num barco com seu pai Zebedeu, consertando as redes. E Jesus os chamou. Imediatamente, deixando o barco e seu pai, seguiram-no.” (Mateus 4.18-22)

Levi (também chamado Mateus) “Quando ia passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria, e disse-lhe: Segue-me. E, levantando-se, Levi, o seguiu.” (Marcos 2.14)

Os doze: “ Depois Jesus subiu a um monte e chamou os que ele mesmo quis e estes foram até ele. Então designou doze para que estivessem com ele, e os enviasse a pregar, e para que tivessem autoridade para expulsar demônios. Estes são os doze que ele designou: Simão, a quem deu o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, aos quais deu o nome de Boanerges, que significa filhos do trovão; André; Filipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé; Tiago, filho de Alfeu; Tadeu; Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que o traiu.” (Marcos 3.13-19)

Paulo: “Quando Deus, porém, que desde o ventre de minha mãe me separou e me chamou pela sua graça, se agradou em revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, não consultei ninguém. (Gálatas 1.15,16). “Ele me disse: Vai, porque eu te enviarei para longe, aos gentios.” (Atos
22.21)

Paulo e Barnabé: “Na igreja em Antioquia havia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que havia crescido com o governante Herodes, e Saulo. Enquanto cultuavam o Senhor e jejuavam, o Espírito Santo disse: Separai-me Barnabé e Saulo para a obra para a qual os tenho chamado. Então, depois de jejuar, oraram e lhes impuseram as mãos; e deixaram que partissem.” (Atos 13.1-3)

VOCAÇÃO E CHAMADA E SUA RELAÇÃO COM OS DONS ESPIRITUAIS

Na Vocação Geral, como já dissemos, todos os crentes estão incumbidos e comprometidos com o testemunho de Cristo, independentemente dos dons espirituais que tenham recebido do Espírito Santo. Já, na Vocação Específica, há uma harmonia entre o chamado de Deus e os dons espirituais recebidos pela pessoa chamada. Quando a Bíblia preconiza que todos os crentes são vocacionados, ela o faz na base dos dons espirituais que cada um recebe, dons, esses, correspondentes com os ministérios que irão exercer.

Essa correspondência entre dom e chamada pode ser constatada facilmente nos exemplos das chamadas específicas já demonstradas, tanto no Velho como no Novo Testamento. Deus não chama pessoas para determinados ministérios sem que elas tenham os dons correspondentes para exercê-los, nem mesmo sem que elas tenham talentos, aptidões, tendências e até mesmo preferências e “jeito” por tal ministério.

Por isso, convocações de caráter muito geral e envio aleatório de pessoas para campos missionários, do tipo “faltam cinco pessoas para compor o grupo que vai para o país tal” sem se levar em conta os dons dos convocados, são convocações temerárias. Elas podem trazer problemas tanto para os campos missionários para onde cada elemento vai, como para o próprio elemento, com o perigo de desencorajá-lo mais do que incentivá-lo.

Estamos vivendo uma época em que convocações de missionários temporários e voluntários em missões tornaram-se muito comuns. Igrejas têm enviado grupos e até caravanas para campos missionários, esperando que lá todos façam missões. A iniciativa não é má, em si. Mas, corre-se sempre o risco de enviar gente que nunca teve um chamado específico e nem tem os dons necessários para os trabalhos a que está se propondo.

Convocação missionária é coisa séria e não pode ser feita na base de impactos, sensacionalismo e emoções, e os alvos dos convocados devem ser bem definidos. Sem exagero, é possível até que alguns aproveitem a ocasião para fazer turismo, especialmente se o campo missionário proposto for algo exótico ou se for mesmo um ponto turístico.

Tenho ouvido, entretanto, mais do que uma vez, testemunho de gente que esteve em campo missionário e demonstrou, em palavras e gestos, o quanto estava alheia à realidade do que estava fazendo.

Certa vez ouvi o testemunho de um jovem que serviu por um tempo como voluntário num desses conhecidos trabalhos com dependentes químicos. Quando ele chegou à parte da história onde tinha até que “dar banho” em alguns dos dependentes químicos, ele deixou transparecer, no rosto e em suas palavras, a sua “repugnância” pelo trabalho que havia feito. 

Uma grande pena, pois seria exatamente num serviço como esse que uma pessoa dotada para a função, demonstraria seu amor, seu carinho, sua compaixão pelo dependente químico, levando-o a entender o amor de Cristo e ter sua vida por ele transformada.

É bom que a igreja envolva toda a sua membresia no trabalho de evangelização e missões, mas deve-se tomar o cuidado de não se introduzir pessoas em campos missionários e em outros trabalhos, fora de seus dons espirituais e de sua proficiência.


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