EU VOLTEI. E AGORA?
PLANEJANDO A SEGURANÇA
PREVIDENCIÁRIA DO MISSIONÁRIO
Durante
35 anos, Pedro e Clara serviram a Deus no campo missionário transcultural, mais
especificamente no Senegal. Agora, felizes pelo sentimento de dever cumprido, mas
também cansados, pois o vigor da juventude se foi, voltam para casa, ainda que
não estejam bem certos de onde fica tal lugar nos seus corações.
Ao
longo de todos esses anos, eles foram sustentados pelas ofertas de mantenedores
– igrejas, amigos e parentes – usando cada recurso para se manter no campo e
para viabilizar o ministério, pois a igreja com a qual trabalhavam no interior
da África era rural, pequena e pobre.
Os
recursos do ministério, como material evangelístico, remédios, alimentos e
combustível, vinham do sustento pessoal da família. Eles atuavam com alegria,
pois não viam separação nenhuma entre a obra missionária e a vida do casal.
Quando
Pedro e Clara passavam períodos mais longos no Brasil para descanso, renovação
espiritual, física e para buscarem novos mantenedores, percebiam algo que,
apesar de incomodá-los, não chegavam a ver como de enorme importância: alguns
mantenedores deixavam de enviar sustento, deixando transparecer nas entrelinhas
que “missionário só é missionário quando está no campo”. Mas, Deus, em sua
infinita misericórdia, sempre supria o necessário para que retornassem ao
Senegal e prosseguissem com o trabalho.
Agora,
entretanto, a situação se complicou e tomou ares de dramaticidade. O casal
retornou para um país cuja cultura eles não reconhecem tão bem como antes; para
uma cidade que mudou drasticamente; para uma igreja cujos membros de 35 anos
atrás se foram para o Senhor ou para outras igrejas. E, para complicar, eles
não têm onde morar, nem quem os sustente mais, pois, como eles perceberam nos
períodos de férias, ao voltar para a terra natal, eles não são mais
considerados missionários pelos seus antigos mantenedores.
É
natural que, a essa altura, você esteja se perguntando se essa história é ou
não fictícia. Apesar de ser, sim, fictícia, ela não está nem um pouco longe da
real experiência de muitos missionários.
A
Igreja Evangélica Brasileira, com cerca de 150 anos, é considerada ainda jovem
perto dos 2 mil anos de história do cristianismo. Como Igreja que não só
recebe, mas envia missionários, podemos ser considerados como crianças, com
poucas décadas de experiência de envio de obreiros para fora do país.
A
pouca experiência, aliada a uma cultura imediatista que não vê o planejamento
de longo prazo como de valor, fez com que, nas últimas décadas, a Igreja no
Brasil investisse como nunca no envio de missionários (Glória a Deus!),
chegando a receber de missiólogos de outras nações o apelido de “celeiro de
missionários”. Contudo, a sua preocupação se concentrou basicamente no envio,
sem dar tanta atenção à manutenção ou ao retorno dessas primeiras levas de
dedicados e intrépidos pioneiros.
Com o
passar do tempo, começamos a presenciar outro fenômeno: o retorno dos
missionários, seja prematuro, por cansaço, doenças ou problemas diversos no
campo, seja por envelhecimento, quando o “tempo” do missionário chegou ao fim.
Muitas
vezes vem acontecendo uma abordagem por demais romântica do tema. O missionário
sai para o campo transcultural com uma ideia hiperespiritualizada do “Deus proverá”,
pensando apenas no sustento como algo de curto prazo e imaginando que viverá
para sempre no campo, lá envelhecendo, morrendo e sendo enterrado.
A
igreja enviadora, por sua vez, embarca no mesmo pensamento, às vezes até
aliviada por não ter que pensar e planejar nada do futuro mais distante daquele
que vai (afinal de contas, não tem um planejamento nem para o ano seguinte na
comunidade local).
O
resultado lógico não seria outro: missionários retornando para casa após anos
no campo sem um plano de aposentadoria, sem casa, às vezes, até sem familiares
ou amigos para ajudar. As igrejas locais e agências missionárias acabam se
vendo em uma situação delicada, às vezes dramática, pura e simplesmente por
falta de planejamento e de noção de que nossos missionários são de carne e
osso, adoecem, envelhecem e, em sua maioria esmagadora, voltarão um dia para
casa.
A
questão da aposentadoria do missionário precisa ser encarada com seriedade, se
quisermos continuar crescendo como país enviador.
É
preciso que o missionário deixe de ver seu futuro com as lentes da
hiperespiritualização, como se planejar o retorno do campo e a aposentadoria
fosse um pecado, uma falta de confiança na provisão de Deus.
Entendo
que a cultura financeira e familiar brasileira ainda não internalizou a
importância da previdência, mas mudanças de culturas coletivas começam com
mudanças de culturas individuais e familiares. Se é uma aposentadoria pública
ou privada, cabe ao missionário pesquisar a melhor opção. O que não se pode
fazer é optar pela lógica do avestruz, em que se enterra o assunto na esperança
de que o problema desapareça.
Por
outro lado, a igreja enviadora precisa compreender que o seu missionário e o
seu pastor ou qualquer obreiro local também precisam colocar esse assunto no
papel, antes mesmo de ir para o campo, pois previdência é uma questão que,
quanto antes for discutida, melhor.
Não
existe uma regra infalível no que tange ao envolvimento das partes, mas cabe à
igreja alertar seus missionários para que o assunto não seja varrido para
debaixo do tapete. Se isso acontecer, é quase certo que vai se tornar uma
bomba-relógio a estourar no colo de todos – igreja, agência e, principalmente,
missionário. Como alguém disse: quem falha em planejar planeja falhar.
Se
todos trabalharmos juntos, com transparência e maturidade, casos como os de
Pedro e Clara podem ser minimizados e se tornar história passada nas missões
brasileiras.
Sabemos
bem que o sistema previdenciário brasileiro está longe de ser o ideal, mas
abrir mão de uma previdência por causa disso é abraçar a certeza de problemas
futuros.
Juntos
– igrejas, agências e missionários – podemos tratar o futuro daqueles que
dedicaram suas vidas para a propagação do Evangelho com dignidade, reservando
para o tempo de aposentadoria aquele período de alegre sensação de dever
cumprido.
AUTORIA DE: LUIS NACIF
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