ANTES DE CHEGAR AO CAMPO MISSIONÁRIO - PARTE 2
A IMPORTÂNCIA DO TREINAMENTO ANTES DE SAIR AO CAMPO MISSIONÁRIO
Me. João Ricardo Morais
O TREINAMENTO
Dentro do processo de chamada
para ir ao campo, uma etapa de crucial relevância é a fase de treinamento do
vocacionado. Agências e juntas missionárias investem recursos financeiros e
humanos para que seus missionários cheguem aos mais variados campos preparados
para executar a missão que o próprio Deus lhes comissionou e entregou.
Na
atualidade, existe uma facilidade muito grande para que alguém chegue ao campo
missionário. Entretanto, a permanência no campo missionário ainda se apresenta
como um grande desafio para a maioria dos missionários.
Pode
Deus usar no campo missionário alguém que possua pouco ou nenhum treinamento?
Certamente que sim! Contudo, a idéia de ser um cooperador de Deus não significa
ficar sentado, numa atitude passiva, e deixar que Deus faça todo o trabalho.
Mesmo
Filipe, que foi conduzido de maneira sobrenatural para ministrar ao eunuco
etíope (At 8), era alguém com experiência prévia comprovada e tinha um
ministério frutífero. Jesus lembra que quem é fiel no pouco, será encarregado
de muito (Mt 25.21,23).14
No
entanto, antes mesmo do treinamento e eventual envio do missionário, faz-se necessária
uma seleção criteriosa:
1)
Experiência de novo nascimento, ou seja, conversão;
2)
Motivação correta;
3)
Chamado genuíno de Deus;
4)
Caráter cristão e maturidade espiritual;
5)
Bom relacionamento com outros;
6)
Capacidade de lidar com tensões;
7)
Bom conhecimento bíblico;
8)
Treinamento missiológico;
9)
Formação profissional;
10)
Reconhecimento como ser humano.
Obviamente
esses critérios podem variar de autor para autor. Por outro lado, mesmo
concordando com o fato de que o treinamento inadequado anterior ao campo seja
um dos motivos para o retorno prematuro dos missionários, “fica evidente que
mais da metade são fatores espirituais e de caráter. Isto significa que o
treinamento formal e não formal anterior ao campo precisa dar ênfase na
formação do ser”.
O
treinamento missionário se apresenta em três categorias:
Treinamento
formal, que garante ao candidato seu credenciamento acadêmico; o treinamento
não formal, tipo de formação que se caracteriza por se dar fora da sala de
aula, levando o candidato ao aprendizado através da experiência; o treinamento
informal, que caminha na direção de ensinar o candidato no ambiente da própria
instituição de ensino, dando ênfase à convivência entre alunos e professores.
Este
último não é tão difundido como os anteriores. O conhecimento necessário para
estar preparado a ir ao campo missionário continua sendo motivo de controvérsia
entre os missionários e também juntas e agências missionárias.
Contudo,
há consenso em se dizer que não é admissível enviar ao campo missionários que
não tenham o mínimo de informação sobre o povo a quem vão ministrar, a cultura
e a cosmovisão do povo e o tão temido idioma local. Contudo, conhecer a própria
cultura faz com que haja uma possibilidade maior de conhecer a cultura do campo
onde o missionário está inserido e relacionar-se com ela. Referindo-se
estritamente ao contexto norte-americano, o que se ensina, se aprende e se
aplica sobre a fé é levado ao exterior como Evangelho cultural.
Podemos
pensar que já entendemos nossa própria cultura, mas geralmente não a entendemos
até que entramos em outra cultura e então olhamos para a nossa. Uma das
primeiras coisas que você aprende no campo é como olhamos para as outras
pessoas.
Os
africanos nos chamam de “ofensivos” porque assuamos o nariz e guardamos o
resultado no bolso.
Os
asiáticos pensam que somos “bagunceiros” porque guardamos nosso lixo dentro de
casa e o levamos para fora uma vez por semana.
Os
latino-americanos dizem que somos “loucos” porque permitimos que nossos
cachorros durmam em nossas camas.
Os
dominicanos da zona rural veem os cristãos como “imorais” porque permitem que
homens e mulheres nadem juntos.
Antes
de chegar ao campo missionário ss missionários necessitam ter uma visão ampla
das Escrituras. Eles precisam estar familiarizados com o pano de fundo
histórico, geográfico e cultural da narrativa bíblica e com as etapas
principais na história da salvação. Da mesma forma, futuros missionários
necessitam de um bom conhecimento das principais doutrinas da fé cristã.
É
muito importante que eles sejam capazes de reconhecer o que é de fundamental
importância em questões de crença e o que é secundário, o que é uma visão
permissível e o que é uma visão herética.
Não
é de hoje que as preocupações com o que se deve saber antes de chegar ao campo
missionário são objeto de discussão. Há mais de cinco décadas, já havia o
reconhecimento de que existem alguns objetivos que o missionário de “primeira
viagem” pode realizar:
1)
Um bom conhecimento da língua. A proficiência na língua vai depender da pessoa
e da própria língua em questão;
2)
Adaptação satisfatória ao clima, costumes, cultura e povo do campo;
3)
Um conhecimento completo do trabalho da missão;
4)
Um entendimento do campo, seus problemas, necessidades e potencial;
5)
Alguma consciência de seus dons espirituais e seu lugar na obra;
6)
Uma profunda confirmação de seu chamado como resultado de um crescente senso de
pertencimento e uma convicção de ser útil.
Como
afirmado anteriormente, se não há consenso sobre o que se deve saber antes de
chegar ao campo missionário, há, sem dúvida, consenso de que é necessário
preparo do missionário para ir ao campo. Por essa razão, a fase que antecede à
chegada ao campo missionário deve ser vista como essencial na formação do
missionário.
RECURSOS
FINANCEIROS
O
levantamento dos recursos para se chegar ao campo missionário pode ser um
processo longo e desgastante para muitos. Obviamente, isso depende dos
critérios adotados pelas juntas e agências missionárias, e estes critérios
podem apresentar distinções. Contudo, para muitas juntas e agências
missionárias este é um processo crítico que antecede à ida do missionário para
o campo. Conhecendo esse dilema, muitos se antecipam para convencer os missionários
de que esta tarefa, embora árdua, não os desmerece em nada.
Charles
Troutman, escrevendo para um missionário a quem ele mesmo aconselhava,
disse-lhe que compreendia que ele estava incomodado com a possibilidade de ter
que levantar seu sustento, e deu seu testemunho pessoal afirmando que ele e sua
esposa quase não chegaram ao campo por causa disso. Ele declara que talvez o
orgulho o estivesse impedindo, mas também ele se ressentia da atitude de certas
igrejas, pastores e amigos que tinham padrões diferentes para suas próprias
famílias e para as famílias de missionários. Embora ele estivesse acostumado a
pedir em favor de organizações cristãs, “adotar a posição de pedinte diante do
opulento era terrivelmente difícil”.
Na
realidade brasileira atual, facilmente se constata que tanto juntas quanto
agências missionárias têm adotado o método de que seus missionários busquem
levantar os recursos necessários para realizarem a tarefa que o Senhor lhes
confiou. Esses recursos virão das igrejas, membros de igrejas, amigos e
familiares.
Levantar
o sustento é um dos maiores desafios enfrentados por aquele que recebe o
chamado de Deus para ir ao exterior como missionário. Esse processo deve também
estar fundamentado em convicção pessoal por parte do missionário.
Em
praticamente todas as nações, os pastores recebem salário. Algumas das grandes
denominações, principalmente, as de países ricos, também sustentam seus
missionários com uma renda mensal. Entretanto muitos dos que vão servir a Deus
no exterior vivem pela fé. Não gosto dessa expressão porque ela passa a ideia
de uma distinção que na verdade não se aplica aqui. Afinal todos devemos viver
pela fé, confiando que Deus suprirá nossas necessidades, de uma maneira ou de
outra.
Esse
termo “pela fé” é usado no meio evangélico como uma espécie de gíria, para
descrever aquelas pessoas que não recebem um salário no sentido real da
palavra, mas que confiam em Deus para seu sustento. Esse sustento vem,
geralmente, por intermédio de igrejas ou indivíduos, que ofertam segundo as
despesas de cada missionário. É comum usar a expressão “missionário pela fé” para
descrever um trabalho cujo pessoal envolvido consegue a maioria dos recursos da
maneira descrita acima. Basicamente, significa “levantar o próprio sustento”.
A
Palavra de Deus contém alguns textos bíblicos escritos por Paulo em, 1
Coríntios 16 e 2 Coríntios 8 e 9, sobre levantamento de recursos. Paulo pedia
especificamente por recursos e até mesmo dava sugestões de como levantá-los
(1Co 16.1-2; 2Co 9.5); ele encorajava as pessoas a dar o quanto pudessem (2Co
8:10-15; 9:6-7); ele exortava a todos para manterem altos padrões éticos (1Co
16:3-4; 2Co 8:20-21); ele até mesmo comparava algumas igrejas com outras (2Co
8:1-8; 9:2-4). Paulo não hesitava em levantar recursos.
Para
que essa dinâmica de levantamento de recursos financeiros seja ágil, os
missionários devem se comunicar com seus mantenedores por carta, email,
telefone, etc., fazendo sua parte em buscar seu sustento; contudo, Deus é quem
lhes dá os recursos. As questões financeiras são uma das principais causas de
desentendimento na maioria dos casamentos.
Levantar
sustento faz com que isso se torne realmente uma questão a ser considerada.
Contudo, o envio do missionário ao campo depende se seu sustento pode ou não
mantê-lo lá.
Muitos
veem o momento do envio do missionário ao campo como o ápice de um processo
longo e muitas vezes exaustivo. Entretanto, esse momento é envolto em alegria,
gratidão a Deus e um profundo sentimento de dependência do Senhor por se ver
aqueles que foram separados por Deus, comissionados por Ele, treinados e
capacitados em parceria com a igreja local serem enviados àqueles que precisam
ouvir a mensagem de salvação de Jesus.
Os
versículos de Atos 13, principalmente de 2 a 4, além de serem inspirativos, são
instrutivos, pois mostram o equilíbrio entre a ação do Espírito Santo e a
igreja local no envio daqueles que o próprio Deus havia separado e designado
para a tarefa missionária. Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o
Espírito Santo: “Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho
chamado”. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram.
Enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre.
De acordo com o versículo 4, ambos Barnabé e Paulo foram enviados pelo Espírito
Santo, mas, segundo o versículo 3, foi a igreja de Antioquia que, impondo as
mãos sobre eles, os enviou. Ao fazer-se justiça à iniciativa do Espírito Santo,
não se pode subestimar o papel da igreja no envio deles.
Conclui-se,
portanto, que o Espírito Santo os enviou, instruindo a igreja a realizar o
envio, e que a igreja os enviou, por ter sido instruída pelo Espírito Santo.
Esse equilíbrio é sadio e evita ambos os extremos.
O
primeiro é a tendência para o individualismo, pelo qual uma pessoa alega
direção pessoal e direta do Espírito, sem nenhuma referência à igreja.
O
segundo é a tendência para o institucionalismo, pelo qual todas as decisões são
tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao Espírito.
Apesar
de não podermos negar a validade da escolha pessoal, ela só é sadia e segura
quando vinculada ao Espírito e à igreja. Entretanto, alguns não entendem da
mesma forma, e afirmam que Deus é aquele que envia o missionário, sendo a igreja
apenas o canal do envio.
Vários
são os textos bíblicos por eles apresentados (Ex 3.10; Is 6.8; Jr 1.7; Mt 10.16
e 28.19; At 13.2-4). Contudo, os textos em questão são, em sua maioria,
anteriores à fundação da igreja, com exceção do último. Esse posicionamento não
evita os extremos e gera a falta de equilíbrio ao qual John Stott se refere.
Com
relação ao papel da igreja local dentro do processo de envio, é oportuno
declarar que, além de ser o local onde se encontram as oportunidades de
comunhão e crescimento espiritual, onde os membros recebem os dons do Espírito
Santo para sua própria edificação, a igreja local é de onde os futuros
missionários são chamados pelo Senhor.
Entretanto,
uma das características essenciais de uma igreja, quiçá a mais importante para
que ela seja atuante no cumprimento da Grande Comissão, é ser missional. A
igreja missional não é apenas outra fase em que a igreja local se encontra, ela
é uma expressão completa de quem e o que a igreja foi chamada a ser e a fazer,
ou seja, cooperar com o Senhor na redenção do ser humano. Reggie McNeal define
a igreja missional como o povo de Deus em parceria com Deus na sua missão
redentora no mundo.
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O autor
é licenciado em Letras-Inglês e respectivas literaturas pela Universidade
Federal do Paraná (Curitiba, 1986); bacharel em Administração com habilitação
em Comércio Exterior pela Faculdade de Estudos Sociais do Paraná (Curitiba,
1994); bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná
(Curitiba, 2009); mestre em Estudos Teológicos com ênfase em Missiologia pelo
Southeastern Baptist Theological Seminary (Wake Forest, NC, EUA, 2015).
Tradutor e pastor de Famílias e Missões na Igreja Batista no Jardim Ambiental
em Curitiba. E-mail: prjricardo.morais@gmail.com
Publicado
na Revista
Batista Pioneira vol. 6 n. 2 Dezembro/2017
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