A IGREJA LOCAL E MISSÕES
CHAMADO MISSIONÁRIO
Por
Ronaldo Lidório
Percebo que cresce o número de missionários que desejam
caminhar de forma independente, sem serem enviados por uma igreja local e sem
prestar contas a alguma liderança. Há também igrejas que não crêem no envio
missionário ou não desejam participar desse processo.
Parece-me que a Bíblia dá clara importância ao processo do
envio missionário, coordenado por Deus e envolvendo tanto a igreja quanto os
vocacionados.
Em Atos 13, nos versos 1 a 4, lemos que a igreja em
Antioquia estava orando e jejuando quando ouviu a voz do Espírito Santo e impôs
as mãos sobre Paulo e Barnabé para que chegassem aos gentios, segundo a vontade
de Deus.
VEJAMOS COMO O PROCESSO ACONTECEU.
O verso 1 fala sobre aqueles que eram reconhecidamente
líderes na igreja em Antioquia. O verso 2 destaca que Paulo e Barnabé “serviam
ao Senhor”, demonstrando que possuíam vida com Deus e testemunho entre os
irmãos. Logo depois declara que o próprio Espírito Santo falou com a igreja
para que os separasse “para a obra a que os tenho chamado”, que era a evangelização
dos gentios.
Não sabemos como a igreja ouviu a voz do Espírito, mas a
Palavra esclarece a sua postura de busca, oração e submissão ao ouvi-la. O
verso 3 afirma que a igreja (possivelmente os líderes) impôs as mãos sobre
Paulo e Barnabé e os despediu. Despedir, do grego ‘apoluo’, significa “não
reter”, ou seja, soltar as amarras ou abrir a porta para que alguém saia. O
verso 4 narra que eles, enviados pelo Espírito Santo, logo seguiram para Chipre
cumprindo a missão.
A declaração de que foram “enviados pelo Espírito Santo”
não exclui a igreja ou os missionários desse processo, ao contrário, os inclui.
Enviar, do grego ‘ekpempo’, significa “fazer sair”. A figura nos versos 3 e 4 é
da igreja abrindo a porta e do Espirito Santo fazendo Paulo e Barnabé saírem.
Assim, a narrativa do texto demonstra que todo o processo
de enviar e ser enviado se deu na igreja de Deus (v 1), foi elaborado pela
iniciativa de Deus (v 2), conduzido na relação com Deus (v 3) e finalizado por
Deus (v 4). O papel da igreja ao enviar e do missionário a ser enviado,
portanto, é fazer a vontade de Deus.
A imposição de mãos possuía um significado específico
entre romanos e gregos no primeiro século. Compreendê-lo também nos ajuda a
perceber a responsabilidade de enviar e o privilégio de ser enviado.
SINAL DE AUTORIDADE
Esse “impor de mãos” em Atos 13 remonta ao grego clássico
quando um pai impunha suas mãos sobre o filho que lhe sucederia na liderança da
família, uma transferência de autoridade. Para Paulo e Barnabé indicava que eles
possuíam a autoridade eclesiástica para fazer o que a igreja faria, mesmo onde
ela não estivesse presente como congregação.
É, portanto, ao mesmo tempo uma carga de autoridade e
responsabilidade. Eles poderiam pregar a Palavra, orar pelos enfermos e confrontar
os incrédulos com o evangelho, mas ao mesmo tempo precisariam também
compartilhar da mesma fidelidade e dedicação que existia naquela comunidade dos
santos em Antioquia. Prestariam contas à igreja.
SINAL DE RECONHECIMENTO
A imposição de mãos também era usada em momentos oficiais,
como na cidade de Alexandria, quando vinte oficiais foram escolhidos para
guardar a entrada da cidade que sofria com freqüentes ataques de nômades. Sobre
eles foram impostas as mãos em sinal de reconhecimento de que eram dotados das
qualidades para aquela função. Para Paulo e Barnabé, significava que a
liderança da igreja reconhecia não apenas o chamado (que era claro), mas também
a maturidade e dons para cumprirem a missão.
Encontramos também no contexto imperial o “impor de mãos”
no sentido de cumplicidade, quando generais eram enviados a terras distantes
para coordenar uma província.
As autoridades enviadoras impunham as mãos demonstrando
que os enviados não seriam esquecidos. Permaneciam como parte do corpo mesmo
não estando entre eles. Para Paulo e Barnabé, era o equivalente a dizer que,
por mais distante que fossem, permaneceriam ligados à igreja de Antioquia. E
que essa igreja continuaria responsável por eles, amando-os, orando por suas
vidas e sustentando-os em suas necessidades.
Havia, portanto, um forte vínculo de relacionamento entre
a igreja enviadora e os missionários enviados. Esse vínculo, porém, não se
fundamentava prioritariamente no compromisso humano ou em um projeto de
trabalho, mas na profunda convicção de que enviadores e enviados estavam
fazendo a vontade de Deus, o qual inicia, autoriza e coordena toda a ação.
Ao fim do dia, sendo a igreja que envia ou os missionários
que vão, é isto que nos fundamenta:
A profunda convicção de que estamos fazendo a vontade do
Pai. Impor as mãos como sinal de autoridade e reconhecimento não é tão
desafiador para a igreja como em sinal de cumplicidade, pois ser cúmplice
implica em algo contínuo que demanda dedicação, amor e prolongado cuidado.
Ter as mãos impostas como sinal de reconhecimento e
cumplicidade não é tão desafiador para o missionário como em sinal de
autoridade, pois aponta para a necessidade do missionário respeitar, submeter-
-se e prestar contas à igreja.
É certo que todo salvo em Cristo é chamado por Deus (1
Pedro 2:9). Chamado para a oração, adoração, comunhão, testemunho, Palavra e
proclamação do evangelho. E em meio a todos os salvos Ele também chama alguns
para ministérios específicos (Efésios 4:11), a fim de que a igreja seja edificada
e que o evangelho seja propagado.
Ao vocacionado ao ministério, eu aconselho: não vá, seja
enviado. Envolva-se com sua igreja local a fim de que o seu chamado e dons
sejam reconhecidos, a voz do Espírito seja ouvida e você seja enviado pela
igreja e como parte da igreja.
AOS PASTORES E LÍDERES, DOIS CONSELHOS:
(1) Não retenham aqueles que Deus tem chamado. Envie-os em
nome de Jesus para que o evangelho de Jesus seja proclamado e o Seu nome
glorificado.
(2) Não enviem para longe aqueles que não são uma bênção
perto. Quem não possui um bom testemunho perto não o terá longe. Observem o
testemunho de vida, a convicção do chamado e o preparo para o ministério antes
de enviá-los.
Entendo que alguns vocacionados ao ministério sofrem pela
falta de consciência missionária da própria igreja local ou de sua liderança
perante o seu chamado. Muitos aguardam um encorajamento e apoio que nunca
chegam, o que lhes traz frustração e
desencorajamento.
Nesse cenário, o primeiro passo é orar. Ore por sua igreja
e por seus líderes, para que sejam conduzidos por Deus a entender a forma e o
tempo certo para o seu envio. Deus ouve as orações.
Em segundo lugar invista. Invista na vida de seus pastores
e líderes para o estudo da Palavra sobre a missão. Tenho visto muitos pastores
com uma visão missionária despertada após terem lido um bom livro ou ouvido uma
exposição bíblica sobre a missão.
Em terceiro lugar testemunhe. Não aguarde ser enviado para
servir a Cristo, envolva-se com sua igreja local e desafios missionários ao seu
redor. Sobretudo, não desanime. Aquele que o chamou há também de enviá-lo, para
que o evangelho seja pregado e o nome de Deus seja glorificado entre todas as
nações.
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Artigo
publicado originalmente no site da Agência Presbiteriana
de Missões Transculturais – APMT em 16 de junho de 2017
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