1 - ADAPTAÇÃO CULTURAL - UM DESAFIO MISSIONÁRIO

 


O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO EM UM CONTEXTO DE DIVERSIDADE CULTURAL


  

Apesar da globalização, é comum encontrarmos diversas diferenças e peculiaridades que as diferentes sociedades manifestam em suas etnias visando responder ao universo ao seu redor. 

É possível encontramos uma enorme quantidade de diferenças culturais entre os povos, tais como hábitos alimentares, gestos, vestimentas, cerimônias, organização comunitária, entre outros.

Apesar de heterogêneo, culturalmente falando, o mundo em que vivemos apresenta-se cada vez mais conectado em razão do desenvolvimento tecnológico e o fenômeno da globalização. Nunca se viu na história da humanidade, distâncias serem tão encurtadas e os relacionamentos pessoais serem tão aproximados de maneira tão veloz. 

Dessa forma, tanto o missionário transcultural quanto cada individuo da sociedade – principalmente nos grandes centros urbanos – vive cada vez mais exposto ao diferente e, por conta disso, em plenos centros urbanos e forçado a conviver com diversidades culturais, o que, geralmente, causa surpresa.

Li recentemente a história de uma professora sul-africana, ficou perplexa durante uma visita à Atenas. Sabe por qual motivoʔ Porque lá o papel higiênico não é jogado no vaso sanitário, mas em uma lixeira destinada especificamente para este fim. Esse procedimento lhe causou surpresa e admiração porque na África do Sul as pessoas não agem dessa forma. Ou seja, o papel higiênico sujo é jogado diretamente no vaso sanitário. Já a presença da referida lixeira nos banheiros da Grécia fez Sam questionar o padrão de higiene do lugar.

Se em sua opinião essa não foi uma experiência tão grotesca, o que dizer da experiência de quem viveu em diferentes países da Ásia e que descreve sua perplexidade diante de alguns comportamentos curiosos encontrados por lá:

Quando chegamos na Turquia, o primeiro choque desagradável é ver os homens urinando na beira das calçadas ou muros e paredes da cidade. Este costume é comum também no Irã e muito mais freqüente ainda no Paquistão e na Índia. Nesses dois últimos países as roupas dos homens e das mulheres, por serem mais soltas, permitem que urinem e defequem ao agachar-se. É comum isso acontecer a qualquer hora do dia nas ruas, nas praias e ferrovias.

 As condições de higiene sanitária na Índia são bastante precárias. Cerca de 750 milhões de pessoas não têm acesso a banheiros ou rede de esgoto nesse país.

O pior caso nesse sentido é a Índia, que possui o maior problema sanitário do mundo, aproximadamente 750 milhões de pessoas não têm acesso a banheiro e rede de esgoto.

Nesses países, a classe menos favorecida realiza o trabalho de coleta das fezes dispostas nas ruas e em outros lugares, essa prática é desempenhada por homens e mulheres. Os homens entram em bueiros onde estão acumuladas grandes quantidades de excremento humano e o trabalho é desenvolvido sem nenhum tipo de proteção, num lugar repleto de preservativos, absorventes e muitos outros materiais indesejáveis. As mulheres carregam sobre a cabeça cestos cheios de fezes, a situação ainda é mais precária nos períodos chuvosos, pois os excrementos escorrem pelo corpo daquela que os carrega.

• Somente em um dia a Índia produz aproximadamente 1,2 bilhão de litros de urina.

• Todo excremento diário produzido na Índia, se fosse transformado em gás metano, poderia gerar a capacidade explosiva que equivale a 18 bombas atômicas.

• Um limpador de fezes recebe um salário que parece “brincadeira”, algo em torno de 0,46 centavos de moeda brasileira.

Um comportamento curioso e repulsivo evidenciado no Quênia. “Entre os Massai aqui no Quênia, cuspir na face de alguém pode significar bênção. Se você tiver a sorte de se tornar amigo de um deles, poderá receber umas boas cuspidas no rosto para que fique comprovado que você realmente faz parte da família”. 

ESTEJA PREPARADO

De fato, quem pretende visitar outro país ou se relacionar com um povo culturalmente diferente, precisa, como matéria obrigatória, obter e estudar o maior número possível de informações a respeito de tal povo e estar preparado para aprender os códigos de conduta e assimilar as formas de raciocínio. Uma vez que as surpresas no contato com outros povos podem se tornar desagradáveis, ou até mesmo perigosas, precisamos nos preparar devidamente para esse relacionamento. 

Considere os sérios problemas que uma mulher pode ter, principalmente se for solteira, ao desembarcar no mundo árabe sem que esteja vestida de acordo com os padrões de decência local. Em alguns casos, mostrar o cotovelo, em outros, descobrir a cabeça pode ser considerado pelos nacionais como um gesto imoral e criar inúmeras dificuldades para a recém-chegada. De fato, a maneira como nos comportamos no novo ambiente irá contribuir para fechar ou abrir as portas para a nossa permanência. 

É preciso ter em mente também que as diferenças culturais não se manifestam apenas entre os grupos étnicos distantes, em outros países e continentes. Para a nossa surpresa, comportamentos reconhecidos com um significado entre determinado povo podem ter significados totalmente diferentes entre os grupos étnicos vizinhos. É preciso estar atento. Exemplificando, consideremos a condição dos povos indígenas localizados no Estado do Amazonas, região norte do Brasil. A despeito de serem vizinhos, apresentam diversidades lingüística e cultural, o que faz deles povos distintos. 

Os exemplos citados revelam a importante verdade de que não são as barreiras geográficas que determinam as diversidades entre os povos e as implicações étnicas no trabalho missionário. Estar próximo ou distante da terra natal não significa necessariamente para alguém proximidade ou distância de sua cultura de origem. Essa análise derruba a falsa idéia de que missionário transcultural é somente aquele que deixa o próprio país, cruza suas fronteiras geográficas e desembarca numa terra distante e desconhecida. 

Ilustrando essa afirmação, poderíamos pensar em um brasileiro que trabalha nos EUA, entre os imigrantes de Lingua Portuguesa. Tal individuo tem diante de si um desafio cultural de menor intensidade do que aquele que trabalha no Brasil entre uma sociedade indígena, tendo a necessidade de aprender a cultura e a língua local para poder se comunicar. 

O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO

Quando chegamos em outras culturas as gafes e os pedidos de perdão são quase que rotineiros nas primeiras semanas. Nesses casos precisamos aprender a sorrir dos próprios erros esta é uma maneira divertida que usamos para aliviar a tensão. Lembro-me da primeira vez que viajei para a

Asia, quando cheguei na Indonésia minha filha havia feito uma reserva pra mim num hotel na cidade de Bali, como já era noite e me sentido muito cansado depois de trinta horas de vôo perguntaram-me na portaria a que horas eu queria ser acordado no dia seguinte para outra Ilha, eu precisava estar no Aeroporto às 09:00 horas da manhã. Eu achava que falava a língua inglesa o suficiente para me comunicar com aquele povo. Ao invés de dizer que queria acordar a tal hora disse que não queria ser acordado. (rsrsrs).  Fui para meu aposento   e como já era noite não notei que as janelas e portas do quarto eram de vidro fumê, devido ao cansaço deitei e dormi e nem me preocupei com relógio, afinal eu já havia pedido para ser acordado na hora desejada. Fiquei então tranqüilo esperando que na hora certa eu fosse acordado. Eu olhava para as janelas e via tudo escuro. Depois de muito esperar resolvi dar uma olhada pela porta para ver como estava o tempo, quando abri a porta os hospedes estavam na piscina e o sol quase a “pino”. Eu fiquei desesperado e imaginei, a esta hora o vôo já estava chegando à  Ilha que seria meu destino. 

Corri para a recepção para saber o que havia acontecido e porque esqueceram de mim. Eles começaram todos a rir, afinal este é um hábito deles que riem de qualquer coisa e eu fiquei furioso até que alguém me informou que eu havia registrado na minha chegada que não queria ser acordado no dia seguinte.  Gafes como esta é comum acontecer mais precisamos ter calma e não perder a paciência. O melhor que podemos fazer é rir também do nosso erra. 

Em países como África do Sul precisamos ter muito cuidado para não sermos enganados. Afinal um país com tantas línguas (das 32, 11 são oficiais) e um estrangeiro precisa ter muito cuidado para não se decepcionar nem pagar mico. Eu achava que seria fácil encontrar naquele país alguém que falasse português ou que mesmo falando inglês eu conseguiria me comunicar o básico necessário para pelo menos entrar e sair do aeroporto. Entretanto, eu não me lembrei que a língua mais falada em Joanesburgo era o africâner e por isso tive que enfrentar sérias dificuldades. 

Esta fase de intensas descobertas e de ajustes a uma nova cultural é o processo de adaptação no qual o nosso corpo, a nossa mente e as nossas emoções sofrem para se ajustar às condições em que nos encontramos. Alguns dos sintomas evidenciados nesse período são receio de se relacionar, frustração por não conseguir se comunicar, vergonha por não corresponder de maneira apropriada na cultura local, dentre outros. 

Quanto maior a afinidade entre a cultura receptora e a nossa, menor será o esforço empreendido no processo de adaptação. O contrário também é verdade. Entretanto, mesmo em sociedades com maior proximidade cultural existe a necessidade de adaptação e esse processo pode representar um grande desafio. 

Muitas vezes enfrentamos sérias dificuldades de adaptação até mesmo entre grupos vizinhos dentro do nosso próprio país apesar da proximidade geográfica há admiráveis barreiras regionais entre o povo: “Em muitos casos, a língua é totalmente diferente, os termos linguisticos regionais são estranhos, a comida é revoltante, os novos costumes nos parecem repulsivos”. 

Apesar dos desafios que carrega consigo, a adaptação transcultural é possível e deve ser o alvo daquele que é introduzido numa nova cultura. A fim de avaliar o desempenho, se o estrangeiro não se sente confortável na presença dos nacionais ao lidar com eles dentro do novo ambiente cultural é sinal de que ainda existe uma longa jornada pela frente. 

MARCHANDO RUMO À ADAPTAÇÃO

Viver em uma nova sociedade e se tornar bicultural exige grandes doses de atenção, renúncia e flexibilidade. O bom senso e o reconhecimento dos próprios limites devem ser aliados de todos aqueles que encaram um processo de adaptação. 

Em nossa tarefa de encarnação, ao lidarmos com a assimilação da cultura local nosso alvo jamais será o de perder a nossa identidade cultural ao longo do processo. Todo esforço será empreendido no sentido de mantê-la enquanto assimilamos à nova, combinando assim as duas. É ser brasileiro e viver numa segunda cultura, assimilando a cultura local, sem deixar de ser brasileiro e ministrando em caminhos que o povo receptor é capaz de compreender. Por qual razão em que nos encontramosʔ Pela causa do evangelho! 

Um dos passos decisivos nesse processo é sairmos da nossa “zona de conforto” e desenvolvermos o maior número possível de relacionamentos com os nacionais.  Assim como é verdade que a aprendizagem cultural não é resultado de um processa acadêmico, em vez de nos limitarmos somente às reuniões de oração entre missionários, devemos ampliar as nossas fronteiras e interagir com a comunidade. Como diz um provérbio africano. “Amizade se faz com os pés”. Logo, se desejamos criar amigos no novo contexto, precisamos pôr o pé na estrada e estarmos onde o povo está. 

Um comportamento que tem facilitado bastante o processo de imersão cultural de missionários recém-chegados em seus campos de trabalho, principalmente em países do Oriente médio é o de morar temporariamente com uma família nacional. Essa experiência proporciona ao obreiro o privilégio de conhecer a cultura de perto favorecendo a observação de comportamentos, hábitos costumes e tradições do povo. Essa é uma ferramenta estratégica também para o rápido desenvolvimento do processo de aquisição lingüística. 

É ponto pacífico entre missionários mais experientes que o segredo para causar impacto genuíno em determinada comunidade é se tornar parte dela. Sendo assim, caso desejemos realmente nos adaptar, conquistar o povo e influenciar o novo contexto cultural, a proximidade, o relacionamento e a integração com os nacionais devem ser o nosso alvo. 

Os missionários com mais chances de serem bem sucedidos são aqueles que desenvolvem a capacidade de se entrosar, ou seja, de estar em contato com o povo e de fazer amigos facilmente. Devemos empreender todo o nosso esforço em criar amigos entre os nacionais. Somente assim iremos nos divertir enquanto trabalhamos com eles. Devemos conhecê-los em suas casas e na igreja também. Devemos nos sentar com eles e conversar, desfrutando, dessa forma, da comunhão social. O envolvimento social ajuda no aprendizado da língua e evita aborrecimentos desnecessários. 

Quando o missionário não se relaciona com o povo ele está se isolando em vez de se proteger e assumindo uma posição vulnerável além de criar também um abismo entre ele e o povo recptor. Sistematicamente, uma enorme barreira está sendo erigida entre as duas culturas e quem mais sofrerá nesse processo é o próprio missionário. Em lugar de se adaptar, de aprofundar seu conhecimento da língua e da cultura de desenvolver uma vida normal estará se afastando. Com isso, não terá uma rede considerável de amigos e padecerá de saudades excessivas do seu ambiente de origem.  

Os relacionamentos na nova cultura são fundamentais e num primeiro momento o estrangeiro é o mais beneficiado por eles. Durante a nossa segunda estada no Sudeste Asiático, chegamos a conclusão de eu se não fosse por meio de relacionamentos não teria sido possível conquistar qualquer tipo de credibilidade para comunicar a nossa mensagem entre o povo local. 

Se vivêssemos distante dos nossos vizinhos e amigos e somente visitássemos a comunidade de vez em quando, entendemos que não teríamos causado o mesmo impacto. 

Ao viver entre a comunidade local aprendemos a observar a v ida do povo em detalhes, ao mesmo tempo em que eles observavam a nossa. Privacidade foi um dos aspectos mais difíceis em nossa caminhada, mas, sem dúvida alguma, importante em nosso processo de adaptação e missão de proclamação do Evangelho. 

Caso os tropeços culturais representem o principal motivo que esteja nos impedindo de avançar, será necessário investir tempo a fim de reconhecê-los e corrigi-los. Quando isso acontecer, as chances de sucesso futuro serão maiores. Mas se forem perpetuados por longa jornada, o povo nos verá sempre como estrangeiros e jamais como parte da sociedade local. 

É importante lembrar a esta altura que o lugar onde servimos será apenas mais um lugar se ele não se tornar a nossa casa. Porém, se tornará a nossa casa ao desenvolvermos profundidade de relacionamentos. Uma vez que casa é o lugar onde estão os nossos amigos e a nossa família. 

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