DALITS - OS PROSCRITOS DA ÍNDIA
Até bem pouco tempo algumas
pessoas nunca tinham ouvido a expressão Dalit. Menos ainda conhecem
a palavra Harijan. Esta última significa “povo de deus”, e não foi
“criada” por um cristão. É o nome que o estadista indiano Ghandi escolheu
para determinar um grupo de 160 milhões de pessoas na populosa Índia: os
intocáveis.
Apesar de
abolido oficialmente desde 1950, linchamentos de intocáveis, ou dalits –
oprimidos, como eles preferem se denominar por achar que harijan é uma palavra
que traz uma conotação de pena – continuam a acontecer até hoje.
Há quem
defenda o sistema de castas da religião Hindu, alegando razões culturais,
políticas e sobretudo econômicas, para a manutenção do sistema. Algum tempo
atrás uma polêmica discussão tomou lugar na internet entre algumas agências
missionárias e um site mantido por um cristão. Num boletim de oração a agência
compartilhava sobre infanticídios que ainda ocorrem nestas isoladas localidades
do mundo, sob a cobertura de sacrifício religioso.
O pedido de
oração foi traduzido para vários idiomas, inclusive o português por vários
missionários ao redor do mundo. O site mantido pelo irmão iniciou uma cruzada
de averiguação da verdade, afirmando que tais práticas não acontecem mais em
nossos dias, inclusive, relatando à embaixada Indiana o conteúdo dos boletins
de oração. A embaixada, claro, negou todos os fatos.(...)
“Nascer
hindu na Índia é entrar para o sistema de castas, uma das mais antigas formas
de estratificação ainda em vigor. Arraigado na sociedade há 1,5 mil anos, o
sistema segue um preceito básico: todos são criados desiguais. Esta
hierarquização da sociedade Hindu originou-se da uma lenda na qual os quatro
principais grupos, ou varnas, emergem de um ser primordial. Da boca, vem os
brâmanes – sacerdotes e mestres. Dos braços, os xátrias – governantes e
soldados. Das coxas, os vaixá -mercadores e comerciantes – e, dos pés os sudras
– trabalhadores braçais. Cada varna, por sua vez, abrange centenas de castas e subcastas
hereditárias, cada qual com sua hierarquia própria. Um quinto grupo consiste
nas pessoas que são “achuta”, ou intocáveis. Não vieram do ser primordial, são
os excluídos, demasiadamente impuros para classificarem-se como seres dignos.
(…)
Os intocáveis são evitados, insultados, proibidos de freqüentar templos
e casa de castas superiores, obrigados a comer em utensílios separados em
lugares públicos, e em casos extremos, mas não incomuns, são estuprados,
queimados, linchados e baleados.
O antigo sistema de crenças prepondera sobre a lei moderna. Um pai ou
uma mãe intocável gera filhos intocáveis, marcados como impuros desde o momento
em que começam a respirar. Mas eles não têm aparência diferente da dos outros
indianos. Sua pele é da mesma cor. Não andam esfarrapados, não são cobertos de
feridas. Andam pelas mesmas ruas e freqüentam as mesmas escolas. Mas apesar
destes sinais exteriores de normalidade, os intocáveis não precisam de nenhum
sinal para anunciar a sua condição. Nome de família, endereço da aldeia,
linguagem do corpo – tudo fornece pistas. O mais revelador porém é a ocupação.”
Todos os
trabalhos que não são considerados “limpos” pelas outras castas são realizados
pelos intocáveis. São atividades que em geral requerem contato físico com
sangue e excrementos humanos. Coveiros ou cremadores de corpos, curtidores de
couro, parteiras, garis, são atividades comuns reservadas a eles. Mas mesmo
aqueles que trabalham em outras atividades “limpas”, principalmente
agricultura, são considerados impuros, e são por isto mal remunerado.
Claro, que
devemos salientar que os intocáveis têm conseguido progressos com o passar dos
anos, principalmente na esfera pública. Antes da constituição de 1950, eles
eram obrigados a usar sinos para alertar sobre a sua aproximação, e carregavam
baldes para não contaminar o chão ao cuspir.
Não podiam
freqüentar escolas nem sentar em bancos próximos a alguém de uma casta
superior. Se a sombra de um deles tocasse alguém de uma casta superior,
deveriam ser espancados.
A
constituição definiu um sistema de cotas de 15% para cargos federais, estaduais
e municipais (aldeias), serviços públicos, e universidades. Apesar dos grupos e
movimentos modernos que lutam contra a discriminação e o infanticídio, na Índia
rural, os bebês nascem pelas mãos de parteiras intocáveis, pois o contato com
sangue é considerado impureza. Estas freqüentemente, ainda recebem um adicional
para matar as meninas.
Entretanto,
o sistema de castas tem o seu próprio código, redigido nos últimos 2000 anos
pelos sacerdotes brâmanes. São as “Leis de Manu“,
um conjunto de normas que determinam o que cada varna deve comer, com quem
casar, como se manter limpo e a quem evitar, como trabalhar.
Os Sacerdotes
nunca devem ter contato com intocáveis. É Manu quem determina que contato com
os mortos depois das cerimônias fúnebres trás contaminação, ficando esta
atividade reservada aos intocáveis que trabalham nas margens do Rio Ganges, rio
sagrado para os hindus.
A tradição
não permite também mulheres em cerimônias fúnebres porque estas podem chorar –
e as lágrimas que caem de seus olhos são consideradas poluentes, como todo e
qualquer líquido de seu corpo.
Gandhi, o
estadista quase deificado, é considerado um dos precursores das campanhas para
combater o conceito de intocabilidade, e, ironicamente, ao mesmo tempo é
culpado pela sua manutenção. Isto acontece porque muito embora tenha sido Ele
quem deu um novo nome aos intocáveis “harijan”, fundou uma comunidade “ashram”
em Ahmadabad em 1915 onde recebeu uma família de Intocáveis e logo em seguida
adotou uma filha intocável daquela família, sua preocupação na manutenção da fé
hindu impediu que maiores avanços fossem feitos, pois o sistema de castas está
enraizado na mesma. Gandhi era um nacionalista. Seu desejo por independência e
liberdade passava pela rejeição de tudo que fosse opressor e imperialista,
inclusive qualquer modelo religioso que não fosse o de seu próprio povo. A
tradição amargamente conta que em sua juventude o estadista tentou visitar uma
igreja cristã num bairro de maioria britânica, mas foi impedido de entrar no
santuário pelo oficial da igreja na porta recomendando-lhe que procurasse um
igreja para indianos. O jovem foi embora e nunca mais entrou em igreja nenhum.
Se é verdadeira ou não a narrativa, o fato é que a mesma tradição atribui ao
próprio Gandhi a afirmação: “O cristianismo seria perfeito, não fossem os
cristãos”
Quem sabe
por causa disto, ele procurou impedir a atuação de um homem chamado Bhimrao
Rami Ambedkar. Um dos principais redatores da constituição Indiana, escritor e
também intocável, nasceu em 1891 na casta dos mahars, servidores domésticos.
Aluno brilhante, através de bolsas de estudos, obteve graus de doutor nos
Estados Unidos e Inglaterra, retornando para Bombaim – atual Mumbai – em 1923,
onde começou a trabalhar como advogado. Ele tornou-se porta-voz da causa dos
intocáveis, e em certa ocasião, encerrou um comício de forma desafiadora
queimando um exemplar das Leis de Manu. Ele queria a emancipação radical da
vida civil do alicerce religioso. Sua militância começou a dar mostras de
sucesso, quando o governo colonial britânico deu atenção às suas reivindicações
permitindo participação das castas inferiores no sistema político, e
mostrando-se aberto a aceitar as outras propostas de mudança. Entretanto, neste
ponto Gandhi fez oposição a Ambedkar, receando que a intervenção política na
situação das castas viesse a destruir o hinduísmo. Em 1932 quando o governo
estava próximo a ceder, Gandhi iniciou sua “greve de fome até a morte”. Como o
povo o seguia, e o líder ficava cada vez mais fraco, Ambedkar não teve
alternativa senão recuar. Ele conseguiu os direitos que hoje a constituição
garante, mas a campanha de Gandhi impediu uma mudança radical no pais.(...)
Muito embora
o governo Indiano ainda faça lobby evitando exposição sobre o assunto, as
castas são uma desconfortante realidade inegável. Num aspecto Ambekar e Gandhi
estavam certos : o primeiro sabia que somente uma radical mudança de mente,
poderia resolver esta questão para o povo. O segundo sabia que uma mudança
radical exigiria o abandono do modelo religioso.
Mas imaginem
como tudo poderia ter sido diferente, se aquele jovem Gandhi tivesse
oportunidade de entrar naquela igreja. Imaginem se ele pudesse ter conhecido a
Jesus. Quem sabe hoje,o país seria diferente. Quem sabe? (…)
Ainda hoje
você pode orar para que a população hindu ao redor do mundo tenha oportunidade
de entender esta necessidade de mudança radical que apenas Jesus Cristo pode
trazer-lhes. Assim, e só assim os Dalit deixarão de ser oprimidos, para serem
de fato Harijan, povo de Deus.
Fontes:
National Geographic Brasil. Publicado originalmente em www.estevam.org
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