ETNOCENTRISMO - O QUE É?
ETNOCENTRISMO, IMPOSIÇÃO CULTURAL E RESPEITO
AO POVO
“Então por que agora vocês estão querendo tentar a
Deus, pondo sobre os discípulos um jugo que nem nós nem nossos antepassados
conseguimos suportar?” (Atos 15.10)
É comum, olharmos para
as novas experiências culturais com desconfiança. Com facilidade, contestamos comportamentos, valores e crenças em
outros ambientes étnicos. Normalmente, não demonstramos a mesma prontidão
quanto aos aspectos extravagante do nosso próprio povo.
É comum na África do
Sul darmos risadas quando víamos os irmãos na igreja cumprimentando-se
com beijo na boca. Em contrapartida, em razão da herança britânica, quando
algum dos nossos amigos sul-africanos percebiam a nossa prática de almoçar
todos os dias da semana, eles é que davam risadas.
Estudiosos sugerem que
a partir do nascimento estamos aptos para assimilar com naturalidade qualquer
cultura. Ao nos tornarmos parte de determinado contexto étnico, somos moldados
por ele e passamos a oferecer resistência às diversidades que encontramos nos
demais. Por fim, assumimos que os nossos costumes estão corretos e o nosso jeitão
de levar a vida é o melhor.
Esse tipo de comportamento que nos leva a julgar a
nossa cultura superior às demais é chamado de etnocentrismo. Quando agimos
dessa forma estamos, em verdade desprezando o povo com que mantemos contato e
assumindo uma falsa postura de superioridade cultural. A antropóloga Frances
Popovich conceitua que uma reação etnocêntrica é: “A atitude de que podemos
julgar outra sociedade e os seus costumes no contexto da nossa própria
cultura”.
O mensageiro
transcultural precisa estar ciente desse tipo de reação e da postura cristã
adequada que se deve assumir diante de conflitos como esse. O Pacto de
Laussanne, firmado em 1974, em Zurique, na Suíça, apresenta um sumário da visão
bíblica a respeito das culturas. Ter esse resumo sempre em mente pode nos
ajudar a eliminar comportamentos etnocêntricos.
Porque
o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade.
Porque ele (o homem) experimentou a
queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca.
O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas
avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça
(parágrafo 10).
O missionário deve
saber que o etnocentrismo não é um comportamento restrito a ele, um
recém-chegado à nova terra. Por se tratar de algo inerente aos seres humanos, o
grupo étnico em contato também demonstrará atitudes etnocêntricas e
evidenciará esse tipo de conduta, comum
em todas as culturas, sem exceção. Encontramos um exemplo que evidencia este
tipo de comportamento na visão que a tribo Massai do Quênia tem dos demais
povos. A missionária sul africana Lorna Englin descreve o forte sentimento de
superioridade que os massai têm em
relação aos demais povos.
O
povo massai se destaca entre os grupos tribais do Quênia, pois crêem firmemente
que são o povo favorito de Deus, São
orgulhosos e se gabam de suas tradições e da maneira como vivem. Sabem que são
superiores em relação a todas as outras raças, inclusive, a uma estranha raça
branca que invadiu o Quênia há mais de um século. E fazem de tudo para não
serem atraídos pelo moderno estilo de vida ocidental. Dizem: “Para que mudar e
se tornar inferior? Afinal, recebemos a bênção de nascer massai”.
IMPOSIÇÃO CULTURAL
Os antropólogos apontam
para as conquistas dos povos, pelo colonialismo europeu, como sendo a principal
causa das mudanças culturais que influenciam os dias de hoje. Normalmente,
essas conquistas significavam, entre outros aspectos, a imposição de uma
cultura sobre a outra e, em muitos casos, a erradicação de alguns povos, como,
por exemplo, os aruaques e os caraíbas (ou caribes) do Caribe.
Como brasileiros, a
nossa relação com o continente africano começou com o tráfico de escravos.
Homens e mulheres, adultos e crianças foram trazidos para o nosso país sendo
obrigados a deixar para trás familiares posses e principalmente sua terra
natal. E quem se beneficiava com isso eram os colonizadores. Em outros casos,
povos foram feitos escravos em sua própria terra, tendo de se submeter aos
estrangeiros que chegavam para colonizá-los. E, durante esse procedimento além
da cultura, freqüentemente uma nova língua era imposta.
Infelizmente em alguns
momentos da história eclesiástica, encontramos também o trabalho missionário
assumindo posturas de imposição cultural. Nestes casos a evangelização é
tratada mais como instrumento de “civilização” e dominação do que de
proclamação das boas novas de Cristo. Dessa forma, um pesado fardo cultural é
posto sobre os ombros da sociedade em contato. Lamentavelmente, tais
acessórios, além de estrangeiros – ou estranhos – são perfeitamente
dispensáveis ao verdadeiro evangelho.
Na maioria das vezes,
essa bagagem cultural imposta vem de contexto étnico tão distinto que se forma
totalmente estranho e incompreensível aos nacionais. Algumas descrições que
encontramos a essa respeito são surpreendentes.
Durante
a expansão missionária do principio do século 19, pressupunha em geral, que as
igrejas resultantes do trabalho missionário seriam moldadas às igrejas dos países
de origem. A tendência era reproduzir replicas quase perfeitas. A arquitetura
gótica, a liturgia, as vestes clericais, os instrumentos musicais os hinos e as
musicas, os processos de tomada de decisão, os sínodos e as cosmovisões, os
superintendentes, os bispos... Tudo isso era exportado e, sem nenhuma
imaginação, introduzido nas novas igrejas fundadas pelas missões.
Outra séria denúncia
vem das igrejas africanas, que reclamam que o movimento missionário tem
demonstrado tendências de desvalorizar ou desconsiderar a cultura africana
tradicional. O pastor angolano Manzalla A. Afonso, presidente da missão Desafio
Integral e Associados, é enfático em seu comentário sobre esse assunto.
Uma
das barreiras à comunicação do evangelho, e isto acontece no continente
africano, é que o evangelho é freqüentemente
apresentado às pessoas em formas culturais estrangeiros. Tanto os missionários
ocidentais como os não ocidentais precisam desenvolver sensibilidade em relação
às culturas receptoras. Quando deixam de fazer isso estão demonstrando a
mesma atitude colonial que caracterizou
alguns empreendimentos missionários do passado.
Entretanto, é preciso
esclarecer que sempre houve gente comprometida com a proclamação do evangelho
que resistiu a essa sistema de importação cultural. Um exemplo que merece destaque é o do ilustre
William Carey e seus preciosos colegas de missão que, já no final do século 18,
sustentaram a idéia de se pregar um evangelho contextualizado, por meio do qual
o povo, uma vez participante das boas novas, tinha autonomia para adorar a Deus
com autenticidade em seu ambiente cultural. O historiador Marrk Shaw, citando
Frederick Downs, apresenta um importante comentário a respeito do ministério de
William Carey na Índia.
Os
cristãos de Serampore foram encorajados a manter seus nomes e vestimentas.
Carey se recusou a dar nomes cristãos
aos convertidos, mesmo que o nome do novo convertido fosse uma homenagem a
algum deus hindu. O primeiro convertido
Krishna Pal, foi incentivado a manter seu nome tradicional. Por causa dessa
atitude, Carey foi criticado por outros missionários mas se recusou a mudar de
idéia. As vestes típicas também foram preservadas. Em contraste radical com a
atitude colonial da Inglaterra em relação à Índia. Carey acreditava que a
cultura deveria ser batizada não destruída.
Em vez de despeitarmos
os outros povos, impondo os nossos modelos culturais, a nossa postura deve ser
sempre a de demonstrar empatia respeito. Reconhecer que nem tudo que é
diferente é antibiblico nos ajudará a evitar
comportamentos etnocêntricos e a desenvolver relacionamentos autênticos
e de identificação com o grupo em contato (1 Corintios 9.22).
APRENDIZES
EM VEZ DE PROFESSORES
O perfil de um
aprendiz é uma característica essencial na vida de qualquer missionário e o
comportamento adequado no relacionamento com o povo no campo. Em vez de já
chegar ensinando o que foi aprendido em seu contexto de origem, o missionário
deve primeiro estudar como a vida funciona na sociedade em contato e as
implicações de seus comportamentos (em alguns casos, é necessário considerar
ainda a legislação do país ou as regras comunitárias).
Oferecer cursos de
artesanato para que o povo gere recursos
e desenvolva atividades auto sustentáveis pode parecer um projeto perfeito de desenvolvimento
comunitário a partir do nosso ponto de vista. Na concepção deles, é possível
que haja outra atividade mais recomendável, por isso é importante verificar
essas informações previamente. Um sinal de advertência é que em algumas
culturas, ensinar uma profissão pode gerar situações de rivalidade e
desequilíbrio econômico, dependendo do tipo de atividade para quem a aprenderá.
Outro sinal é saber se essa profissão será desenvolvida apenas por um grupo
especifico dentro daquela sociedade.
Os
campos precisam de homens e mulheres capazes de mergulhar numa outra cultura
com cuidado, mas ao mesmo tempo dispostos a se despirem da sua própria cultura
para a aquisição de outra. Uma atitude arrogante não lhes permitirá fazer isso.
A arrogância faz do missionário um colonizador em lugar de um portador das boas
novas.
Podemos
ter uma atitude imperialista se não desenvolvermos o nosso caráter nesse
sentido. Precisamos ter humildade para aprender. Temos de saber que antes de
começar a ensinar qualquer coisa ao povo com o qual vamos trabalhar, somos
aprendizes e precisamos de humildade para abrir mão de muitos dos nossos
próprios valores recheados de nossa cultura materna.
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