A HISTÓRIA DE MISSÕES E A ORAÇÃO
(Extraído do Livro “A missão de interceder – Oração na Obra Missionária”, de Durvalina B. Bezerra. Editora Descoberta Ltda. Londrina, 1ª. Edição – 2001).
A prática da oração permeava e
dirigia todas as atividades da igreja antiga – “perseveravam nas orações” (At 2.42). Atos dos Apóstolos, livro
também às vezes chamado de Atos do Espírito Santo que agia livremente em todas as
atividades da igreja e no campo missionário. Não era essa um fruto da forte
ênfase que a igreja dava à prática da oração?
A história comprova que, quando
há oração, há liberdade para o Espírito agir. E a ação precípua do Espírito é
convencer o ser humano dos seus pecados e leva-lo a reconhecer Jesus como
Senhor. O que estamos querendo enfocar é a real correlação existente no
trinômio: oração – avivamento – obra missionária. Ou seja, quando a igreja ora,
o Espírito movimenta-se e o resultado é a obra missionária.
A Idade Média é chamada a idade
das trevas, também em termos espirituais porque os cristãos institucionalizaram
a igreja e tornaram a oração meras repetições das orações dos denominados
santos, sem consciência do que se dizia, sem vida, sem expressão do sentimento
pessoal, sem uma comunicação real com o ser divino. Durante aquela época, a
igreja corrompeu-se e perdeu a sua função de ser “casa de oração para todos os
povos”. Isso não quer dizer que não houve
grandes homens e mulheres que neste período
se consagraram à oração. Refiro-me à igreja da época, não a experiências
pessoais. Pois sabemos que o nosso Deus
sempre tem, como em Israel, os sete mil que não se dobraram a Baal. E,
certamente em respostas às orações de homens como Wycliff, John Huss e Jerônimo
Savonarola, Deus levantou um monge com coragem de expor a própria vida para
provocar profundas transformações e restabelecer os princípios divinos para a
igreja de Cristo.
Martinho Lutero era um homem de
oração. Quando estudava no convento, declarou: “Orar bem é a melhor parte dos
estudos.” O grande reformador estava consciente de que a luta que travava
contra o sistema eclesiástico da época e a árdua tarefa de trazer de volta os
princípios divinos eram um enfrentamento direto com Satanás. Por isso, dizia
que, se não passasse duas horas de manhã orando, recearia que Satanás ganhasse
a vitória sobre ele durante o dia. Certo biógrafo seu escreveu: “O tempo que
ele passa em oração produz o tempo para tudo o que faz”. A Reforma Protestante,
do século XVI, trouxe de volta a verdadeira fé que expressa a verdadeira vida
cristã.
A preocupação pela preservação
da doutrina levou os reformadores a se dedicarem à defesa da fé, à refutação
das heresias e à produção de literatura para o ensino da teologia protestante.
Esta forte ênfase ocupou a liderança de tal forma que refletiu num inexpressivo
avanço missionário transcultural.
Este quadro só começou a mudar
com o Movimento Morávios. Alguns irmãos sentiram necessidade de separar algumas
horas diárias para o propósito da oração, e não tardou vir sobre eles um
derramar do Espírito Santo. Decidiram que o fogo sagrado nunca poderia se
apagar do altar (Lv: 6. 12-13). Os intercessores tornaram isso como uma ordem,
e até as crianças sentiam impulso para a oração, que uniu a comunidade e lhes
despertou o desejo de levar a salvação de Cristo aos pagãos.
Em 13 de agosto de 1727, teve
início uma vigília de oração que continuou noite e dia, sete dias da semana,
sem qualquer interrupção, por mais de cem anos. Foram tempos de avivamento e de
missões, como também de preparação para o grande despertamento missionários que
se seguiu. “Não havia heróis missionários, mas uma igreja voltada para a sua
função no mundo. A Igreja Moravia procurou ensinar e treinar cada um dos seus
membros a considerar como seu primeiro dever o de doar a própria vida para
tornar Cristo conhecido. Nos primeiros vinte anos de existência, a Igreja
Moravia enviou mais missionários do que o protestantismo europeu o fizera em
200 anos”. O Conde Nicolaus Ludwig von Zinzendorf, seu líder, foi um dos
maiores estadistas missionários de todos os tempos, atuou e intercedeu
intensamente pela obra missionária no século XVIII.
Enquanto o Espírito soprava
entre os morávios (na Alemanha), alunos da Faculdade de Yale, na cidade de New
Haven (nos Estados Unidos), receberam um grande avivamento. David Brainerd,
entre outros estudantes, se entregou para levar o evangelho aos índios
americanos. O Senhor encheu-lhe o coração de amor por este povo. Ele
testemunhou: “Deus me deu o espírito de lutar em oração pelo reino de Cristo no
mundo (...). Ele me concedeu agonizar em oração até ficar com a roupa
encharcada de suor.” Ele sentia poder na intercessão pelos perdidos e pelo
progresso do reino do querido Senhor.
Brainerd enfrentou muitos
perigos de vida entre os silvícolas, mas aprendeu a buscar refúgio na torre
forte do nome do Senhor. Era um jovem com apenas 25 anos, sozinho, mas lutando
intensamente para não confiar em si mesmo quanto à extensão do reino de Deus
entre os índios. Ele testemunhou: “Passei a tarde orando incessantemente,
pedindo o auxílio divino para que eu não confiasse em mim mesmo. O que
experimentei, enquanto orava, foi maravilhoso. Parecia-me que não havia nada de
importância em mim, a não ser santidade de coração e de vida, e o anelo pela
conversão dos pagãos.” Com intensa dedicação ao trabalho e uma vida abnegada de
oração e de jejum, estabeleceu uma igreja entre os índios de Nova Jersey e os
convertidos chegaram a mais de 150 em um ano. Em 1747, David Brainerd morreu de
tuberculose, aos 29 anos cumprindo a sua oração de oferecer-se para passar por
sofrimento, desde que fosse pelo avanço do reino de Cristo entre os pagãos.
A oração e o avanço missionário
dos morávios também preparou o caminho para William Carey e a nova era das
missões modernas. Numa cidade do interior da Inglaterra, o Espírito Santo
estava trabalhando na vida deste jovem pobre e simples. Tudo começou com um
chamado à oração. Carey era recém batizado, e aconteceu em sua igreja uma conferência
da Associação Batista, em 1784. John Sutcliff convocou os pastores para
realizar toda segunda-feira do mês uma reunião de oração como objetivos bem
definidos: “O principal pedido da reunião deve ser que o Espírito Santo seja
derramado sobre os pastores e igrejas, que os pecadores sejam convertidos, que
os santos sejam edificados, que o interesse pela religião seja reavivado, e o
nome de Deus seja glorificado. Lembrem-se, ao mesmo tempo, de que esperamos que
vocês não se limitem em seus pedidos às suas próprias comunidades, ou aos seus
próprios relacionamentos mais imediatos; que o interesse amplo do Redentor seja
lembrado com carinho, e que a expansão do evangelho às regiões habitáveis mais
distantes do globo seja o objetivo dos seus pedidos mis fervorosos.” A
receptividade foi admirável. Todas as igrejas da Associação começaram a orar
com seriedade nunca vista.
Carey participava das reuniões e
fez do seu ambiente de trabalho um lugar de intercessão. Enquanto consertava
sapatos, tinha diante de si um mapa mundi, por meio do qual o Senhor das nações
foi colocando a compaixão pelos povos pagãos em seu coração, e assim ele foi
despertado para evangelizar os perdidos. Sete anos após a convocação para
oração, ele levantou-se e pregou o sermão que desafiou a liderança para
preocupar-se com a evangelização dos pagãos. Carey esforçou-se orando,
escrevendo e falando sobre o dever de levar Cristo as outras nações. “Ele não
deixou de mencionar o papel da oração em preparar seu coração e o dos outros
para a grande tarefa que estavam abraçando.”
Em 13 de junho de 1793, partiu
para a Índia. Durante seus 41 anos de ministério naquele país multicultural e multilíngüe,
traduziu as Escrituras para mais de trinta línguas. Escreveram várias
gramáticas e dicionário, fundou uma escola de preparação de obreiros que fez
avançar a evangelização entre os povos não alcançados daquela época. Fundou, em
Serampore, o centro de atividade missionária batista, onde recebia outros
missionários, tornando-se um exemplo harmonioso de cooperação. Serviu ao país
fundando e ensinando em várias escolas; também fundou a Sociedade de
Agricultura e Horticultura e publicou livros sobre a flora indiana. Só foi
possível vencer todos os obstáculos e fazer uma obra tão extensa e produtiva
porque vivia possuído pela chama do amor divino e alimentado pela oração.
Assim, Carey deixou sua marca na Índia e nas missões mundiais. Apropriadamente,
é considerado o “pai das missões modernas.”
É neste período que nascem as
sociedades missionárias independentes ou denominacionais, com leigos e
eruditos, homens e mulheres que se dedicaram integralmente à expansão do
evangelho. “Nunca o cristianismo ou qualquer outra religião tivera tantos
indivíduos em tempo integral na propagação da fé. Nunca tantas centenas de milhares
contribuíram voluntariamente de seus meios a fim de assistir à difusão do
cristianismo ou de qualquer outra religião.”
Surge, então, “o grande século
missionário, período que compreende os anos de 1792 a 1914, pertencente às
épocas mais brilhantes da história da igreja e especialmente da história de
missões. Um movimento missionário sem igual, desde os tempos dos apóstolos,
caracterizou estes 122 anos, onde a determinação, a coragem, a fé e o sucesso
acompanharam a maioria dos pioneiros e seus sucessores.”
Desta época, destacamos grandes
personagens, homens de oração que fizeram o reino eterno se expandir aos
lugares mais difíceis e escondidos da terra:
Henrique Martyn conheceu o
testemunho do trabalho de William Carey, na Índia, e sentiu-se dirigido por
Deus para trabalhar no mesmo país. Os obreiros que ali estavam decidiram clamar
ao Senhor da seara que enviasse trabalhadores, pois a necessidade era muito
grande e poucos os obreiros. Em abril de 1806, Martyn desembarcou na Índia e
foi recebido alegremente como resposta às orações. Entregou-se ao serviço;
entretanto, separava dias inteiros para a intercessão, pois, para ele, “a
oração não era uma formalidade, mais o meio certo de quebrantar os endurecidos
e vencer os adversários.”
John Hyde é conhecido como “o
homem que orava”. Ao concluir seu curso, um colega desejava persuadi-lo na
decisão de entregar-se para a obra missionária, mas ele disse: “Não era de
argumentos que ele carecia, mas devia ir ao quarto, prostar-se de joelhos e
permanecer perante Deus até resolver a questão em definitivo. Na
manhã seguinte, disse ao colega: Estou resolvido.”
A bordo em caminho para a Índia,
recebeu um telegrama: “Estás cheio do Espírito Santo?” Ele era conhecido como um
grande pregador e ficou irritado com a pergunta, que julgou ousada.
“Naturalmente eu estou, pois eu sou um missionário!” Mas, voltou ao camarote e
de alguma forma Deus lhe falou; caiu de joelhos e se entregou inteiramente ao
Senhor. “Entregou tudo, e clamou com fé pelo poder do Espírito Santo em sua
vida. John Hyde foi para a Índia, e um grande reavivamento se realizou.”
John Hyde buscou forças em Deus
para vencer as fraquezas da própria humanidade. Certa vez, durante um culto,
ele se levantou e disse: “Não dormi a noite inteira, não comi durante o dia.
Tive uma grande luta com Deus. Sentia-o chamando-me para vir aqui e
testificar-lhes de algumas coisas que ele fez em minha vida. “ Contou-lhes
simples e humildemente como lutara contra certos pecados e como deus lhe dera a
vitória. Após falar, todos os presentes caíram em pranto e em confissão, e
muitas vidas foram profundamente transformadas.
Inúmeras vezes, na sala de
oração, Hyde expressava o seu clamor e choro pelo mundo perdido. Seus colegas
testemunharam que Deus derramou um espírito tão forte de intercessão e súplica
pelas almas perdidas que contagiou os crentes da Índia, e muitos agonizavam
juntamente com ele. Hyde passava noites inteiras em oração, a ponto de ficar
com o corpo debilitado. “Um peso consumia-lhe a alma: a agonia do Senhor Jesus
no Getsemane pela redenção do mundo. Sentia a missão de “completar o que resta
das aflições de Cristo” (Cl. 1.27). Ele se gastava em oração e clamava: “Pai,
dá-me almas ou morrerei!.” Em 1910, pediu quatro almas por dia, e, muitas
vezes, ganhava dezenas. Ele costumava dizer: “Se nos conservamos juntos a
Jesus, ele é quem atrai as almas, por nosso intermédio. “Mas é necessário que
ele seja levantado em nossas vidas; isto é, devemos ser crucificados com ele.”
Sob o poder da sua intercessão, multidões caíram de joelhos diante do Pai
celestial, John Hyde anunciou o evangelho aos indianos e ganhou cem mil almas
para Cristo. Ele fez da oração a base de todo empreendimento para o reino de
Deus.”
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