MISSIOLOGIA E EDUCAÇÃO TEOLÓGICA
Autoria de: Carlos del Pino
É bem visível a necessidade
de um investimento maior e mais profundo no treinamento missionário a cada ano
que passa. O volume de candidatos ao trabalho missionário cresceu nos últimos
anos e o preparo desses irmãos exige de todos nós um envolvimento cada vez mais
sério e intenso no sentido de não deixá-los partir para seus campos de
trabalhos sem o devido treinamento, principalmente quando estes trabalhos
possuem algum nível transcultural.1
Entretanto, preocupo-me com
o fato de estarmos caminhando no sentido de termos escolas de treinamento
teológico por um lado e escolas de treinamento missionário por outro. Estes
dois tipos de escolas e de treinamentos acabam refletindo a existência ainda de
um conceito dicotomizado entre teologia versus missiologia, trabalho pastoral
versus trabalho missionário, igreja versus campo missionário.
Diante disso, nosso
propósito aqui é tentar abrir espaço para vermos a missiologia e a educação
teológica como áreas totalmente afins. Nesse sentido, desejo abordar dois
tópicos que considero fundamentais na compreensão desse fato:
( 1) A dimensão missiológica da educação teológica e
(
2)A missiologia como ponto de partida para a educação teológica;
1. A dimensão
missiológica da educação teológica: Via de regra, quando pensamos em
educação teológica o fazemos em termos do treinamento de pastores que vão atuar
dentro do contexto eclesiástico. Em outras palavras, é um treinamento que visa
o preparo de pessoas para a manutenção de igrejas já existentes, e que
trabalharão no desenvolvimento das estruturas dessas igrejas, para que as
mesmas sejam definitivamente estabelecidas. Não tem sido muito comum pensarmos
no perfil missiológico da educação teológica.
Ao fazermos um levantamento da
filosofia educacional, do currículo e do direcionamento dado aos estágios
práticos de uma instituição teológica, logo concluímos que, em termos gerais, a
nossa educação teológica não tem se preocupado com o aspecto missiológico e
missionário na formação dos nossos alunos. Essa lacuna pode gerar algumas deficiências2,
tais como a identificação que tem sido constante do conceito de "obra de
Deus" quase que exclusivamente com o trabalho de manutenção interna da
estrutura eclesiástica.
Perde-se de vista totalmente o fato de que "obra
de Deus" tem uma amplitude infinitamente maior do que a proposta, e o fato
de considerar-se o treinamento teológico-pastoral como sendo superior e de
muito maior importância do que o treinamento teológico-missionário. Aliás, nem
se fala em treinamento teológico-missionário, apenas treinamento missionário,
pois no conceito geral, teologia é só para pastores e não para missionários e
evangelistas.
Quando lemos o texto de Mt
28.20, a Grande Comissão, logo nos deparamos com o fato de que o ministério
docente faz parte integrante da missão da igreja. Neste texto, vemos que o
ensino a que Jesus se refere precisa se caracterizar pela praticidade ("guardar"),
pela integralidade ("todas as coisas") e pela revelação de
Deus em Jesus Cristo ("que vos tenho ordenado"). Sendo assim, podemos
dizer que uma vez que a educação teológica é uma parte fundamental do
ministério docente da igreja, ela se torna uma das dimensões essenciais da
missão da igreja. Pensando nesses termos, fazem sentido as palavras de Orlando
Costas: "a missão dá nascimento à teologia na medida era que produz uma
comunidade missionária fiel e obediente para quem a 'busca do entendimento'
converte-se em uma vocação perene ... A missão não apenas faz nascer a teologia
e dá origem à igreja, como também afeta o curso da teologia ao moldar o futuro
da igreja".3
Assim, vemos que a educação teológica tem
objetivos bem mais amplos do que aqueles que são vivenciados na prática de
nossas instituições. Ela precisa estar voltada para aspectos como a formação do
caráter e de habilidades, a informação (pensamento e reflexão) e a
transformação de valores, pessoas, instituições e comunidades.4
Começamos, então, a pensar na teologia como fruto da missão e precisamos, a
partir daí, ver nossas instituições teológicas como instrumentos do Espírito
Santo para cumprirem suas funções básicas que, resumidamente, poderiam ser
descritas como sendo:
a) a preparação de homens e
mulheres para atuarem no ministério docente da igreja local, informando,
instruindo e edificando o povo de Deus em sua própria fé, ajudando a igreja a
compreender sua situação histórica concreta e impactar a sociedade em que vive
com uma mensagem profética, pastoral e evangelística no âmbito da família,
bairro, trabalho, relacionamentos, etc.
b) a preparação de pastores
que edifiquem a fé do povo de Deus investindo no surgimento e desenvolvimento
da liderança local de forma que as mais diversas esferas da missão possam ser
impressas na vida e nos ministérios de cada igreja local. O treinamento teológico
dos pastores precisa ser suficientemente amplo e integral (acadêmico e
devocional, teórico e prático, intra-eclesiástico e extra-eclesiástico).
c) a preparação de
missionários, que se sentem vocacionados a trabalhar nas mais diversas frentes
de atuação, como em plantação de igrejas, projetos sociais específicos,
evangelização de grupos marginalizados pela sociedade (homossexuais,
prostitutas, meninos de rua, etc.), evangelização de outros povos,
evangelização de jovens, universitários, idosos, evangelização através da
literatura, mídia, artes, etc.
d) a preparação de teólogos
e mestres que venham a investir no trabalho de pesquisa nas mais diversas
áreas, com ênfase interdisciplinar, participando assim na formação e reciclagem
periódica daqueles que se dedicam à docência e ao treinamento dos nossos pastores, missionários e demais
obreiros.
Partindo deste prisma
precisamos encarar a educação teológica de forma mais ampla e como uma das
dimensões, por sinal muito importante, da missão da igreja. Sendo assim, o
investimento na área de treinamento missionário não pode ser deficitário. Deve
ser tão valorizado quanto o investimento nas demais áreas. Caso contrário,
poderá ser fatal para o curso da missão da igreja e para a saúde da educação
teológica.
2. A missiologia como ponto de partida para a educação teológica: Sendo
a educação teológica uma dimensão da missão da igreja, precisamos ver um pouco
do papel e da importância que a missiologia ocupa dentro da educação teológica.
A missiologia nada mais é, novamente citando as palavras de Orlando Costas, que
o "braço intelectual da igreja em ação missionária".5 Em
outras palavras poderíamos dizer que a missiologia é um estudo bíblico e
sistemático a respeito de toda a ação missionária da igreja. Como tal, me
parece que a missiologia precisa ocupar dois espaços principais dentro da
educação teológica:
a) estar presente na filosofia, nas motivações e
nas metas da educação teológica de nossas instituições. Nesse sentido, a
missiologia pode e deve oferecer orientações à educação teológica, servindo
como um fator de crescimento do trabalho da escola e, mais, oferecendo todo um
pano de fundo bíblico-teológico para o assentamento das bases da educação teológica. Isso se toma muito
importante por que a missiologia tem o poder de revitalizar a reflexão
inter-disciplinar, a integralidade do ministério cristão e a contextualização
da educação teológica dentro de nossas instituições de ensino cristão. Além
disso, vários educadores teológicos na América Latina definem a educação
teológica em termos missiológicos. 6
b) estar presente no
currículo e nos estágios dos alunos. Nesse nível, a missiologia se destaca por
sua função crítica dentro da teologia como um todo. Esse aspecto já foi bem
destacado por David Bosch, quando disse que a missiologia gera
"inquietação, um som de roçar de ossos secos, articulando a missão como
sendo a consciência da igreja, uma vez que sempre questiona, destampa, escava,
prova e inicia".7
Isso significa que a
missiologia contribui para o pensamento teológico trazendo à tona novas
questões para a agenda e para a reflexão teológica. Procura trazer e aplicar
dentro das limitações de cada contexto específico as afirmações universais da
teologia, permitindo que o estudante perceba as fronteiras que precisarão ser
cruzadas para participar fielmente na missão de Deus em seu tempo e em seu
espaço e se prepare adequadamente para isso.
A presença da missiologia no
currículo oferece a oportunidade de reação contra qualquer tipo de ênfase
teológica que procura minimizar a importância do caráter missionário da fé
cristã e da própria teologia. Oferece reação contra qualquer tipo de narrativa
histórica que não traz à luz os rompimentos de fronteiras que não foram apenas
geográficas, mas também culturais, sociais e religiosas durante todos estes
séculos de cristianismo.
Oferece reação contra qualquer tipo de teologia e
atividades pastorais que não atingem com a graça de Deus o dia a dia do nosso
povo, principalmente a parcela da população que mais sofre. Desta forma a
missiologia é um fator de enriquecimento para a teologia, uma vez que a põe em
contato direto com a igreja mundial em sua diversidade cultural e teológica.
Após reconhecermos a
importância da missiologia como ponto de partida para a educação teológica,
resta-nos aqui, lamentar que dentro do movimento evangélico brasileiro a
missiologia não tem conseguido espaço suficiente para realizar a sua tarefa
junto à educação teológica. Algumas vezes, é simplesmente esquecida ou ridicularizada
pelos que se intitulam "teólogos". Outras vezes, é utilizada de forma
simplista, triunfalista e teologicamente superficial pelos que se intitulam
"missiólogos".
Precisamos investir muito
em uma educação teológica que procure compreender e comunicar a fé cristã a
partir do nosso contexto brasileiro atual. Para isso, é fundamental que todos
nós, professores de missões, estejamos conscientes da "missão" que
Deus tem nos dado e a cumpramos de forma íntegra e completa.
Conclusão
O
nosso objetivo com esta exposição é o de abrir espaço
para refletirmos sobre a necessidade de uma aproximação muito maior e mais
estreita do que a que já existe entre o conceito de missão e a educação
teológica, entre a missiologia e nossos seminários e institutos. Creio que é muito
importante buscarmos um diálogo que seja sério, comprometido com o reino de
Deus e transformador entre estas partes.
Talvez, a nível de sugestão
para uma agenda de diálogo, poderíamos incluir alguns itens como:
a) avaliação dos modelos e
filosofias de educação teológica que temos adotado e utilizado; a busca madura
de novos modelos que sejam mais coerentes com a realidade do nosso país, das
nossas igrejas e de um conceito mais integral de ação missionária;
b) avaliação dos nossos
programas de treinamento pastoral e missionário, à luz desse conceito de missão
e do que julgamos ser a ação de Deus neste momento histórico que vivemos como
povo evangélico no Brasil;
c) criação de programas
inter-disciplinares de treinamento pastoral e missionário que possam ser úteis
a diversas instituições teológicas e agências missionárias.
d) desenvolvimento de
programas de cooperação em diferentes áreas entre escolas, editoras,
associações, professores e igrejas de forma humilde, responsável e não
competitiva.
DEUS NOS ABENÇOE!
1 Esta necessidade já foi observada e bem elaborada por B. H. BURNS,
"O preparo para missões transculturais" in C. T. Carriker, Missões
e a igreja brasileira, Vol 1, pp. 23-33.
2 Pessoalmente creio que estas deficiências já foram geradas. São muito
pertinentes, quanto a isso, a análise desta situação feita por D. Brepohl,
"A missão da igreja e a formação de líderes" in V. R. Steuernagel, A
missão da igreja, pp. 144-146.
3 O. E. Costas, "Educación teológica y
misión" in C. R. Padilla, Nuevas alternativas de educación teológica, p.10.
4 Estes objetivos da educação teológica são
descritos por O. E. Costas, "Educación teológica y misión" in C. R.
Padilla, Nuevas alternativas de educación teológica, p.12.
5 Costas, op. cit., p. 16.
6 Como exemplo cito o argentino Daniel S. Schipani,
veja suas obras: El reino de Dios y el ministério educativo de
la iglesia -fundamentos y principios de educación cristiana, San
José, Editorial Caribe, 1983; Teología del ministério educativo -
perspectivas latinoamericanas, Buenos Aires, Nueva Creación, 1993.
7 D.
Bosch, "Theological Education in Missionary Perspective" in Missiology,
Jan/1982, p.25.
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