PROCESSO DDE ADAPTAÇÃO CULTURAL
ADAPTAÇÃO EM UM CONTEXTO
DE DIVERSIDADE CULTURAL
As sociedades são bastante distintas. Cada povo demonstra particularidades em suas manifestações étnicas e responde de maneira peculiar ao universo ao seu redor. Como resultado, encontramos uma abundância de diferenças culturais entre os povos, enriquecendo o nosso planeta e se revelando em vários aspectos, tais como hábitos alimentares, gestos, vestimentas, cerimônias, organização comunitária, entre outros.
Apesar de heterogêneo, culturalmente falando, o mundo em que estamos inseridos caminha cada vez mais conectado em razão do fenômeno da globalização. Como jamais visto na história da humanidade, distâncias são encurtadas e relacionamentos aproximados. E isso de maneira veloz e surpreendente. Dessa forma, tanto o mensageiro transcultural quanto cada individuo da sociedade – principalmente nos grandes centros urbanos – vive cada vez mais exposto ao diferente e, por conta disso, em plenos centros urbanos e forçado a conviver com diversidades culturais, o que, geralmente, causa surpresa.
Sam Daries, uma professora sul-africana, ficou perplexa durante uma visita à Atenas. Sabe por qual motivo ʔ Porque lá o papel higiênico não é jogado no vaso sanitário, mas em uma lixeira destinada especificamente para este fim. Esse procedimento lhe causou surpresa e admiração porque na África do Sul as pessoas não agem dessa forma. Ou seja, o papel higiênico sujo é jogado diretamente no vaso sanitário. Já a presença da referida lixeira nos banheiros da Grécia fez Sam questionar o padrão de higiene do lugar.
Se em sua opinião
essa não foi uma experiência tão grotesca, o que dizer da experiência da
missionária Glória Mendes da missão Povos Muçulmanos Internacional ʔ
Tendo vivido em
diferentes países da Ásia ela descreve sua perplexidade diante de alguns
comportamentos curiosos encontrados por lá:
Começando na Turquia, o primeiro choque
desagradável que experimentei foi ver os homens urinando na beira das calçadas.
Este costume é comum também no Irã e muito mais freqüente ainda no Paquistão e
na Índia. Nesses dois últimos países as roupas dos homens, por serem mais
soltas, permitem que urinem e defequem
ao agachar-se. É comum isso acontecer a qualquer hora do dia nas ruas.
“Entre os
Massai do Quênia, cuspir na face de alguém pode significar bênção. Se você
tiver a sorte de se tornar amigo de um deles, poderá receber umas boas cuspidas
no rosto para que fique comprovado que você realmente faz parte da família”.
ESTEJA
PREPARADO
De fato, quem
pretende visitar outro país ou se relacionar com um povo culturalmente
diferente, precisa, como matéria obrigatória, obter e estudar o maior número
possível de informações a respeito de tal povo e estar preparado para aprender
os códigos de conduta e assimilar as formas de raciocínio. Uma vez que as
surpresas no contato com outros povos podem se tornar desagradáveis, ou até
mesmo perigosas, precisamos nos preparar devidamente para esse relacionamento.
Considere os
sérios problemas que uma mulher pode ter, principalmente se for solteira, ao
desembarcar no mundo árabe sem que esteja vestida de acordo com os padrões de
decência local. Em alguns casos, mostrar o cotovelo, em outros, descobrir a
cabeça pode ser considerado pelos nacionais como um gesto imoral e criar
inúmeras dificuldades para a recém-chegada. De fato, a maneira como nos
comportamos no novo ambiente irá contribuir para fechar ou abrir as portas para
a nossa permanência.
É preciso ter
em mente também que as diferenças culturais não se manifestam apenas entre os
grupos étnicos distantes, em outros países e continentes. Para a nossa
surpresa, comportamentos reconhecidos com um significado entre determinado povo
podem ter significados totalmente diferentes entre os grupos étnicos vizinhos.
É preciso estar atento. Exemplificando, consideremos a condição dos povos
indígenas nas Jamamadi e Mura-Pirahã, ambos localizados no Estado do Amazonas,
região norte do Brasil. A despeito de serem vizinhos, apresentam diversidades
lingüística e cultural, o que faz deles povos distintos.
Outra descrição
interessante se encontra na exposição feita pelo antropólogo William A. Haviland
sobre três diferentes povos em Papua Nova Guiné:
- Entre os
Arapesh, tanto as mulheres quanto os homens são dóceis e brandos.
- Entre os
Mundugamor, homens e mulheres são nervosos e agressivos.
- Entre os
Tchambuli, os homens decoram o corpo, são vaidosos e interessados em arte,
teatro e fofocas. As mulheres, diferentemente, não se enfeitam nem festejam,
porque têm muitas tarefas durante o desenvolvimento dos filhos.
Os exemplos
citados revelam a importante verdade de que não são as barreiras geográficas
que determinam as diversidades entre os povos e as implicações étnicas no
trabalho missionário. Logo, estar próximo ou distante da terra natal não
significa necessariamente para alguém proximidade ou distância de sua cultura
de origem. Essa análise revoga a falsa idéia de que missionário transcultural é
somente aquele que deixa o próprio país, cruza suas fronteiras geográficas e
desembarca numa terra distante e desconhecida.
Ilustrando essa
afirmação, poderíamos pensar em um brasileiro que trabalha nos EUA, entre os
imigrantes de Lingua Portuguesa. Tal individuo tem diante de si um desafio
cultural de menor intensidade do que aquele que trabalha no Brasil entre uma
sociedade indígena, tendo a necessidade de aprender a cultura e a língua local
para poder se comunicar.
O PROCESSO DE
ADAPTAÇÃO
Quando minha
esposa e eu chegamos à Africa do Sul as gafes e os pedidos de perdão eram quase
que diários nas primeiras semanas. Sorrir dos próprios erros era a maneira
divertida que utilizávamos para aliviar a tensão. Lembro-me que um dia, no afã
de lermos as notícias do país e compreendermos melhor o contexto sul-africano,
acabamos comprando o jornal errado. Fomos enganados ao supor que o jornal com
maior número de páginas possuía também o maior número de notícias. Que
ingenuidade! No momento em que chegamos à casa foi que nos demos conta de que o
jornal não estava em inglês, mas em africaner. Num país com tantas línguas (das
32, 11 são oficiais) um estrangeiro precisa ter bastante atenção para não se
decepcionar.
Inicialmente,
as compras no mercado duravam bastante tempo, sobretudo, por não conhecermos
bem os produtos e por não entendermos as informações escritas nas embalagens.
Minha esposa sofreu um pouco até aprendermos que tempero colocar na comida. Uma
excelente alternativa foi vencer o constrangimento e levar o dicionário para o
mercado.
Esta fase de
intensas descobertas e de ajustes a uma nova atmosfera cultural é o processo de
adaptação no qual o nosso corpo, a nossa mente e as nossas emoções sofrem para
se ajustar às condições em que nos encontramos. Alguns dos sintomas
evidenciados nesse período são receio de se relacionar, frustração por não
conseguir se comunicar, vergonha por não corresponder de maneira apropriada na
cultura local, dentre outros.
Quanto maior a
afinidade entre a cultura receptora e a nossa, menor será o esforço empreendido
no processo de adaptação. O contrário também é verdade. Entretanto, mesmo em
sociedades com maior proximidade cultural existe a necessidade de adaptação e
esse processo pode representar um grande desafio.
No treinamento
de missionários autóctones na África, percebe-se que muitos africanos, nem
todos, enfrentam também enormes dificuldades de adaptação entre grupos
vizinhos. Não obstante a proximidade geográfica há admiráveis barreiras étnicas
entre eles: “Em muitos casos, a língua é totalmente diferente, a comida é
revoltante, os novos costumes são estranhos e parecem repulsivos”.
Apesar dos desafios que carrega consigo, a adaptação transcultural é possível e deve ser o alvo daquele que é introduzido numa nova cultura. A fim de avaliar o desempenho, se o estrangeiro não se sente confortável na presença dos nacionais ao lidar com eles dentro do novo ambiente cultural é sinal de que ainda existe uma longa jornada pela frente.
MARCHANDO RUMO À ADAPTAÇÃO
Viver em uma
nova sociedade e se tornar bicultural exige grandes doses de atenção, renúncia
e flexibilidade. O bom senso e o reconhecimento dos próprios limites devem ser
aliados de todos aqueles que encaram um processo de adaptação.
Em nossa missão
de encarnação, ao lidarmos com a assimilação da cultura local nosso alvo jamais
será o de perder a nossa identidade cultural ao longo do processo. Todo esforço
será empreendido no sentido de mantê-la enquanto assimilamos a nova, combinando
assim as duas.
É ser
brasileiro e viver numa segunda cultura, assimilando a cultura local, sem
deixar de ser brasileiro e ministrando em caminhos que o povo reagente é capaz
de compreender. Por qual razão em que nos encontramosʔ Pela causa do evangelho!
Um dos passos
decisivos nesse processo é sairmos da nossa “zona de conforto” e desenvolvermos
o maior número possível de relacionamentos com os nacionais. Em vez de nos
limitarmos somente às reuniões de oração entre missionários, devemos ampliar as
nossas fronteiras e interagir com a comunidade. Como diz um provérbio africano.
“Amizade se faz com os pés”!. Logo, se desejamos criar amigos no novo contexto,
precisamos pôr o pé na estrada.
Um
comportamento que tem facilitado bastante o processo de imersão cultural de
missionários recém-chegados em seus campos de trabalho é o de morar
temporariamente com uma família nacional. Essa experiência proporciona ao
obreiro o privilégio de conhecer a cultura de perto favorecendo a observação de
comportamentos, hábitos costumes e tradições do povo. Essa é uma ferramenta
estratégica também para o rápido desenvolvimento do processo de aquisição
lingüística.
É ponto
pacífico entre missionários mais experientes que o segredo para causar impacto
genuíno em determinada comunidade é se tornar parte dela. Sendo assim, caso
desejemos realmente nos adaptar, conquistar o povo e influenciar o novo
contexto cultural, a proximidade, o relacionamento e a integração com os
nacionais devem ser o nosso alvo.
Os missionários
com mais chances de serem bem sucedidos são aqueles que desenvolvem a capacidade
de se entrosar, ou seja, de estar em contato com o povo e de fazer amigos
facilmente.
Devemos
empreender todo o nosso esforço em criar amigos entre os nacionais. Somente
assim iremos nos divertir enquanto trabalhamos com eles. Devemos conhecê-los em
suas casas e na igreja também. Devemos nos sentar com eles e conversar,
desfrutando, dessa forma, da comunhão social. O envolvimento social ajuda no
aprendizado da língua e evita aborrecimentos desnecessários.
Por outro lado,
quando o missionário não se relaciona com o povo ele está se isolando em vez de
se proteger e assumindo uma posição vulnerável. Sistematicamente, uma enorme
barreira está sendo erigida entre as duas culturas e quem mais sofrerá nesse
processo é o próprio missionário. Em lugar de se adaptar, de aprofundar seu
conhecimento da língua e da cultura de desenvolver uma vida normal estará se
afastando. Com isso, não terá uma rede considerável de amigos e padecerá de
saudades excessivas do seu ambiente de origem.
Os
relacionamentos na nova cultura são fundamentais e num primeiro momento o
estrangeiro é o mais beneficiado por eles.
Durante a nossa
segunda estada no Timor Leste, chegamos a conclusão de eu se não fosse por meio
de relacionamentos não teria sido possível conquistar qualquer tipo de
credibilidade para comunicar a nossa mensagem entre o povo local.
Se vivêssemos
distante dos nossos vizinhos e amigos e somente visitássemos a comunidade de
vez em quando, entendemos que não teríamos causado o mesmo impacto.
Ao viver entre
a comunidade local aprendemos a observar a v ida do povo em detalhes, ao mesmo
tempo em que eles observavam a nossa. Privacidade foi um dos aspectos mais
difíceis em nossa caminhada, mas, sem dúvida alguma, importante em nosso
processo de adaptação e missão de proclamação.
Caso os
tropeços culturais representem o principal motivo que esteja nos impedindo de
avançar, será necessário investir tempo a fim de reconhecê-los e corrigi-los.
Quando isso acontecer, as chances de sucesso futuro serão maiores. Mas se forem
perpetuados por longa jornada, o povo nos verá sempre como estrangeiros e
jamais como parte da sociedade local.
É importante
lembrar a esta altura que o lugar onde servimos será apenas mais um lugar se
ele não se tornar a nossa casa. Porém, se tornará a nossa casa ao
desenvolvermos profundidade de relacionamentos. Uma vez que casa é o lugar onde
estão os nossos amigos e a nossa família.
APROVEITANDO OS
ASPÉCTOS FAVORÁVEIS
Viver numa
diferente atmosfera pode produzir reações negativas no missionário, como a
perda do apetite, surgimento de alergias, caspa, queda de cabelo,
envelhecimento precoce, etc. Contudo, um comportamento sugerido em nossa tarefa
de tornar o processo de adaptação possível é permanecermos atentos aos aspectos
simpáticos no novo ambiente que despertam o nosso entusiasmo e nos fazem sentir
confortáveis. Com o passar do tempo, esses aspectos vão se tornando mais
evidentes.
Durante meus
anos de ministério, tenho aprendido que, em cada país, não encontramos apenas
pluralidades e surpresas, mais também inúmeras similaridades, vantagens e
objetos de admiração. E esses aspectos positivos podem estar relacionados ao
clima, à alimentação, à geografia, à cultura, dentre outras áreas da vida do
povo. É importante observar e aproveitar as oportunidades.
Quando minha
esposa e eu residimos no Timor Leste, aprendemos a admirar a generosidade do
povo, fatos que, em pouco tempo, fez nascer em nosso coração o amor e o
respeito por aquela terra. Um dia pegamos uma lotação que seguiu para o caminho
errado. Ao percebermos que estávamos perdidos, explicamos o problema ao
motorista. A forma como agiu nos surpreendeu, ele desviou do caminho,
estacionou num ponto apropriado, parou outro veículo que ia para a direção
correta e anda, pagou as nossas passagens. Não é imprescionanteʔ
EVITANDO
PROBLEMAS DESNECESSÁRIOS
Outra atitude
que trabalhará a nosso favor será evitar comparações. É verdade que até nos
adaptarmos à nova culinária, por exemplo, será um árduo exercício (missão quase
impossível) não comparar a comida local com a que estávamos acostumados em
nossa terra natal: coxinha de galinha, pão de queijo, pastel, feijoada, etc.
O contraponto é
que, se as comparações não forem evitadas, sobretudo em público, corremos o
risco freqüente de criar situações de constrangimento no relacionamento com o
povo e de erigir barreiras emocionai perfeitamente dispensáveis, dificultando
ainda mais o processo de adaptação.
Não há dúvidas
a esse respeito ou o missionário procura se acomodar à cultura em contato ou
ele vai viver uma vida confusa, entre dois mundos. Ele não se adapta bem ao
novo contexto nem se desprende do que ficou para traz, aquele que, pelo menos
temporariamente não faz mais parte do seu dia-a-dia.
Se alguém espera pensar e agir numa outra cultura da mesma maneira como o faz em sua cultura de origem, seria melhor permanecer em casa. As normas de vida são diferentes em outras culturas e precisamos estar preparados para aprender e utilizar o sistema do povo local.
Até atingirmos
uma posição confortável no processo de adaptação e nos sentirmos parte da
comunidade, é normal acumularmos alto nível de estresse, fator que,
conseqüentemente, resulta em choque cultural.
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