FILOSOFIA MISSIONÁRIA DO APÓSTOLO PAULO - PARTE 1



A FILOSOFIA MISSIONÁRIA DO APÓSTOLO PAULO

Dr. Russel Shed (In memórian )


Todas as divergências entre metodologias e alvos missionários devem ser submetidas a um exame bíblico. Não significa que os missionários do Novo Testamento não erraram, mas que reconhecemos que os primeiros missionários receberam direcionamento específico do Espírito Santo, segundo Atos. Paulo diz que a Igreja é fundada sobre os apóstolos e profetas (Ef 2.20), indicando que os métodos praticados e alvos almejados não surgiram de mentes humanas, mas no coração do Senhor. 

Paulo acrescenta em sua carta aos Coríntios que ele alicerçou a Igreja sobre o único fundamento que é Jesus Cristo (1Co 3.10, 11). Para executar esta obra tão significativa, recebeu graça particular (v. 10). Ninguém poderá lançar outro fundamento sem contrariar o propósito de Deus. 

A igreja de Roma, que não foi plantada por um apóstolo, deveria receber de Paulo um "dom (charisma) espiritual (pneumatikos)" (Rm 1.11). Qualquer que fosse a carência das igrejas que não receberam a orientação dos apóstolos e profetas, fica claro que Paulo e seus colegas não promoveram um movimento missionário independente (cf. At 8.14, 15). 

Não podemos avaliar perfeitamente a importância do gesto de estender a destra da comunhão a Paulo por parte das colunas da igreja de Jerusalém (Gl 2.9). Creio que Paulo reconhecia que o endosso da igreja mãe em Jerusalém acrescentaria crédito a seu ministério. Mas provavelmente Paulo não teria desistido da obra, se não tivesse recebido esse aval. A argumentação toda de Gálatas parece apontar nessa direção. 

Paulo demonstra sua filosofia de trabalho em vários textos nas epístolas e Atos. Como não temos espaço ilimitado, parece-nos válido restringir nossas observações principalmente a uma parte de 2 Coríntios (2.14 - 6.3). Na defesa do seu ministério contra obreiros pouco escrupulosos, Paulo põe em relevo alguns princípios missiológicos como, por exemplo, sua confiança no Senhor quando confronta perseguição e forças contrárias. Paulo mantinha sua visão firme no fim. 

A Vinda de Jesus resolverá os maiores problemas que o missionário enfrenta. A graça é central, mas não é uma graça sem compromisso. A mensagem e o mensageiro se identificam. Em toda parte deparamos com a motivação do amor de Cristo. Espírito triunfante sem triunfalísmo caracteriza a missiologia paulina.


UM TRIUNFALISMO AMBÍGUO (1.8 - 2.14) 

A profunda gratidão que Paulo sentia após dez anos de trabalho árduo missionário focaliza a soberania divina. "Graças porém a Deus que sempre nos conduz em triunfo", não quer dizer que tudo que ele teve que enfrentar tenha sido agradável ou resultado em sucessos imensuráveis. "Porém" (v. 14) nos adverte que a vitória que Paulo celebra não se ganha sem pagar um alto preço. 

1. Em Éfeso uma sentença de morte foi pronunciada contra Paulo (1.9). Ele enfrentou feras numa luta que, ainda que não fosse literal, deve ter sido ameaçadora (1Co 15.32).  "Dia após dia morro" (1Co 15.31; cf. 2Co 4.11), revela até que ponto sua vida estava sempre sob ameaça. Paulo encarava o ódio, que colocava sua vida em risco, como normal para a carreira de um missionário. 

2. O triunfo, que Paulo reconhecia, não excluía problemas seríssimos no cuidado das igrejas. A própria igreja de Corinto desafiou a liderança de Paulo de uma maneira desrespeitosa. Paulo teve que se defender da acusação que o tachava de mentiroso (2Co 1.17-21). O sucesso do triunfo não garantia que Paulo recebesse elogios da parte dos membros da igreja. Comentavam alguns acerca da sua pessoa: "As cartas, com efeito. . . são graves e fortes, mas a presença pessoal dele é fraca, e a palavra desprezível" (10.10). Por não ter cursado uma escola superior de retórica, nem ter a pretensão de escrever grego clássico para impressionar seus ouvintes e leitores, os coríntios o desprezaram. Evidentemente, para Paulo, o missionário não tem que ter o poder da palavra em vez do poder do Espírito (1Co 4.20). Ele menciona que sua pregação não consistia em "linguagem persuasiva nem de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder" (1Co 2.4). Adulação e elogios não fazem parte do triunfo constante a que Paulo se refere. 

3. Sucesso não deve ser sempre esperado no ministério pioneiro. Paulo decidiu visitar a igreja de Corinto para resolver algum problema, mas não foi bem sucedido (cf. 2Co 13.1). Aparentemente, o apóstolo foi insultado de maneira baixíssima. Sentiu-se forçado a voltar para Éfeso e escrever a "carta severa" que não foi incluída no cânon do Novo Testamento (2Co 2.4). Custou muitas lágrimas. Ficou angustiado ao relembrar o que acontecera. Mas, evidentemente, a maioria da igreja aplicou a disciplina sugerida por Paulo (2.6). O arrependimento da parte da igreja e também do infrator incentivou Paulo a ordenar que a igreja o perdoasse e comprovasse seu amor. Tratar assim o membro que provocou a crise evitaria maiores investidas satânicas contra a igreja (vv. 8-11). 

4. Triunfo não significa que Satanás não consegue vantagens sobre a Igreja. Deve-se conhecer os seus desígnios para poder levantar uma defesa eficaz (v. 11). Impecabilidade não é uma característica do povo santo de Deus e nem faz parte necessária do triunfo de Deus. 

5. Também não faz parte desse triunfo escapar das pressões e desequilíbrio emocional.  Nada é mais evidente do que a profunda emoção conflitante que acompanhava as relações que Paulo experimentou com os coríntios (e, outras igrejas). Derramou lágrimas copiosamente. Quando chegou ate Trôade não pôde aproveitar a grande porta aberta para pregar (2.12). Ficou tão agitado e intranqüilo que deixou Trôade para ir ao encontro de Tito, que traria notícias da igreja de Corinto (v. 13). Um ministério invencível não exclui a possibilidade de nervosismo. 

Ainda que seja difícil imaginar uma situação mais constrangedora e frustrante, o apóstolo afirma que "Deus em Cristo sempre nos conduz em triunfo" (v. 14). "Somos mais do que vencedores por meio daquele que nos amou" (Rm 8.38). Estas duas frases devem ter sido escritas dentro de um prazo de apenas seis meses (outono e inverno de 56-57 a.D.). 

Lê-se nas entrelinhas o amor que Paulo sentia pelos "filhos" na fé. A responsabilidade de cuidar deles, de exortá-los, visitá-los e encorajá-los é evidente em todo lugar. Com razão ele expressa esta preocupação comovente na carta aos gálatas, "Meus filhos, por quem de novo sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós" (4.19). Poderiam ter muitos tutores (professores de Bíblia e religião), mas somente um pai "pois eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus" (1Co 4.15). 

Missionários que conseguem sentir algo do amor paterno e materno que Paulo sentiu podem desenvolver um grande ministério transcultural. Mesmo sendo judeu, ele colocou de lado seus escrúpulos farisaicos para se dar, corpo e alma, ao trabalho de gerar e servir a família de Deus.


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