O QUE OS MISSIONÁRIOS PRECISAM SABER ANTES CHEGAREM AO CAMPO - SEGUNDA PARTE

 


O QUE CONSTITUI UM CHAMADO MISSIONÁRIO?



Poucas vezes acontece algo como “um relâmpago  caindo do céu”. O mais freqüente é a chamada se manifestar como uma convicção profunda e crescente, baseada em princípios bíblicos sólidos, testemunhada no interior pelo Espírito Santo e confirmada no exterior pela Igreja.

Contudo, essa perspectiva a respeito da chamada missionária não é consenso. Outros autores compartilham de uma visão um tanto diferente e afirmam que a Bíblia não apresenta, de forma clara, uma base bíblica para a chamada missionária.

Dizer que há uma base bíblica para missões é subestimar toda a mensagem da Bíblia. Ao invés de argumentar a respeito da base bíblica de missões, deveríamos vê-la de outra forma – o trabalho de missões é a razão para a Bíblia.

Púlpitos evangélicos, salas de aula de seminários e livros teológicos reconhecem de forma crescente e proclamam esta verdade. A Palavra de Deus ensina que Ele é um Deus missionário com um coração pelas nações.

À medida que estudamos Sua Palavra e O conhecemos mais, veremos a Missio Dei (missão de Deus) entrelaçada ao longo dela do começo ao fim.

Apesar desse claro retrato de Seu coração pelas nações, Deus não define claramente a chamada missionária em nenhum lugar da Bíblia. Nós gostaríamos muito de ter uma lista de cinco qualidades, requisitos ou passos para discernir uma chamada missionária. Infelizmente, este não é o caso.

Entretanto, na verdade, a Bíblia nos ensina sobre a chamada missionária. À medida que crescemos em nosso conhecimento de Deus através de Sua Palavra, nosso coração começa a entrar em ressonância com o Seu.

Embora a Bíblia não forneça uma definição de chamada missionária, ela fornece um meio através do qual se pode ver o desejo de Deus pelas nações e como Ele chama pessoas para levar adiante Seus desejos. O autor defende a tese de que os exemplos bíblicos não são prescritivos, mas sim descritivos. Não devem ser vistos como precedentes aos quais se devam comparar experiências de chamadas posteriores. Ao invés disso, tais exemplos devem demonstrar o  que aconteceu quando Deus chamou pessoas em tempos diferentes na história bíblica.

O amor e o despertamento por missões são outros aspectos fundamentais no processo de chamada de um cristão. O relacionamento do discípulo com o Senhor Jesus é um relacionamento baseado em amor. O próprio Jesus declarou isso, afirmando que, se existisse amor por parte dos discípulos, a obediência aos Seus mandamentos seria uma conseqüência (Jo 14.15, 21; 15.10).

Portanto, a obediência à Grande Comissão deve também ser conseqüência desse relacionamento de amor com Jesus. “Se demonstrarmos amor e integridade através de uma vida justa e santa, estamos testemunhando de Cristo de maneira poderosa, seja qual for nossa vocação”.

Sendo assim, é o amor que deve impulsionar o discípulo à realização da obra missionária, pois, existindo amor pelo Senhor da obra, existirá amor pela obra do Senhor.

Entretanto, este amor por Jesus e por Sua obra deve conduzir os seguidores de Cristo ao envolvimento com a obra missionária, seja indo ou ficando na retaguarda para sustentar o empreendimento missionário. “Grande é a responsabilidade da Igreja e do crente na promoção da obra missionária. Todos os crentes, através de suas igrejas, têm de sustentar e promover a obra”.

Como em qualquer empreendimento, a missão de Deus também se fundamenta em várias verdades motivacionais. Mas, nenhuma dessas verdades é maior do que a verdade teológica da salvação de Deus como motivação missionária. Todos aqueles que são agradecidos por sua própria salvação ficarão motivados a unirem-se a Deus em Seu empreendimento missionário.

Jesus entregou quatro diretrizes que fundamentam o mandato missionário da igreja. Essas diretrizes desafiam os seguidores de Jesus com uma chamada para envolverem-se em missões e elas servem como manual para o ministério missionário. Estas mesmas diretrizes, ou mandamentos, ainda estão em vigor para a igreja hoje: “somos enviados” (Jo 20.19-21); “a todos os povos”.

Antes de chegar ao campo missionário “com uma mensagem” (Lc 24.46-48); “capacitados pelo Espírito Santo” (At 1.6-8).

O TREINAMENTO

Dentro do processo de chamada para ir ao campo, uma etapa de crucial relevância é a fase de treinamento do vocacionado. Agências e juntas missionárias investem recursos financeiros e humanos para que seus missionários cheguem aos mais variados campos preparados para executar a missão que o próprio Deus lhes comissionou e entregou.

Na atualidade, existe uma facilidade muito grande para que alguém chegue ao campo missionário. Entretanto, a permanência no campo missionário ainda se apresenta como um grande desafio para a maioria dos missionários.

Pode Deus usar no campo missionário alguém que possua pouco ou nenhum treinamento? Certamente que sim! Contudo, a ideia de ser um cooperador de Deus não significa ficar sentado, numa atitude passiva, e deixar que Deus faça todo o trabalho. Mesmo Filipe, que foi conduzido de maneira sobrenatural para ministrar ao eunuco etíope (At 8), era alguém com experiência prévia comprovada e tinha um ministério frutífero. Jesus lembra que quem é fiel no pouco, será encarregado de muito (Mt 25.21,23).

No entanto, antes mesmo do treinamento e eventual envio do missionário, faz-se necessária uma seleção criteriosa:

1) Experiência de novo nascimento, ou seja, conversão;

2) Motivação correta;

3) Chamado genuíno de Deus;

4) Caráter cristão e maturidade espiritual;

5) Bom relacionamento com outros;

6) Capacidade de lidar com tensões;

7) Bom conhecimento bíblico;

8) Treinamento missiológico;

9) Formação profissional;

10) Reconhecimento como ser humano.

 

Obviamente esses critérios podem variar de autor para autor. Por outro lado, mesmo concordando com o fato de que o treinamento inadequado anterior ao campo seja um dos motivos para o retorno prematuro nos NPE (Novos Países Enviadores), “fica evidente que mais da metade são fatores espirituais e de caráter.

Isto significa que o treinamento formal e não formal anterior ao campo precisa dar ênfase na formação do ser”.

O treinamento missionário se apresenta em três categorias:

Treinamento formal, que garante ao candidato seu credenciamento acadêmico;

O treinamento não formal, tipo de formação que se caracteriza por se dar fora da sala de aula, levando o candidato ao aprendizado através da experiência;

O treinamento informal, que caminha na direção de ensinar o candidato no ambiente da própria instituição de ensino, dando ênfase à convivência entre alunos e professores.

Este último não é tão difundido como os anteriores. O conhecimento necessário para estar preparado a ir ao campo missionário continua sendo motivo de controvérsia entre os missionários e também juntas e agências missionárias.

Contudo, há consenso em se dizer que não é admissível enviar ao campo missionários que não tenham o mínimo de informação sobre o povo a quem vão ministrar, a cultura e a cosmovisão do povo e o tão temido idioma local.

Conhecer a própria cultura faz com que haja uma possibilidade maior de conhecer a cultura do campo onde o missionário está inserido e relacionar-se com ela. Referindo-se estritamente ao contexto norte-americano, o que se ensina, se aprende e se aplica sobre a fé é levado ao exterior como Evangelho cultural. Podemos pensar que já entendemos nossa própria cultura, mas geralmente não a entendemos até que entramos em outra cultura e então olhamos para a nossa.

Uma das primeiras coisas que você aprende no campo é como olhamos para as outras pessoas.

Exemplo: Os africanos nos chamam de “ofensivos” porque assoamos o nariz e guardamos o resultado no bolso.

Os asiáticos pensam que somos “bagunceiros” porque guardamos nosso lixo dentro de casa e o levamos para fora uma vez por semana.

Os latino-americanos dizem que somos “loucos” porque permitimos que nossos cachorros durmam em nossas camas.

Os dominicanos da zona rural veem os cristãos como “imorais” porque permitem que homens e mulheres nadem junto.

Juntamente com esse conhecimento, está o saber bíblico, o que é indispensável. Os missionários necessitam ter uma visão ampla das Escrituras.

Eles precisam estar familiarizados com o pano de fundo histórico, geográfico e cultural da narrativa bíblica e com as etapas principais na história da salvação. Da mesma forma, futuros missionários necessitam de um bom conhecimento das principais doutrinas da fé cristã. É muito importante que eles sejam capazes de reconhecer o que é de fundamental importância em questões de crença e o que é secundário, o que é uma visão permissível e o que é uma visão herética.

Não é de hoje que as preocupações com o que se deve saber antes de chegar ao campo missionário são objeto de discussão. Há mais de cinco décadas, já havia o reconhecimento de que existem alguns objetivos que o missionário de “primeira viagem” pode realizar:

1)  UM BOM CONHECIMENTO DA LÍNGUA.

A proficiência na língua vai depender da pessoa e da própria língua em questão;

2) Adaptação satisfatória ao clima, costumes, cultura e povo do campo;

3) Um conhecimento completo do trabalho da missão;

4) Um entendimento do campo, seus problemas, necessidades e potencial;

5) Alguma consciência de seus dons espirituais e seu lugar na obra;

6) Uma profunda confirmação de seu chamado como resultado de um crescente senso de pertencimento e uma convicção de ser útil.

Como afirmado anteriormente, se não há consenso sobre o que se deve saber antes de chegar ao campo missionário, há, sem dúvida, consenso de que é necessário preparo do missionário para ir ao campo.

Por essa razão, a fase que antecede à chegada ao campo missionário deve ser vista como essencial na formação do missionário.

RECURSOS FINANCEIROS

O levantamento dos recursos para se chegar ao campo missionário pode ser um processo longo e desgastante para muitos. Obviamente, isso depende dos critérios adotados pelas juntas e agências missionárias, e estes critérios podem apresentar distinções.

Contudo, para muitas juntas e agências missionárias este é um processo crítico que antecede à ida do missionário para o campo. Conhecendo esse dilema, muitos se antecipam para convencer os missionários de que esta tarefa, embora árdua, não os desmerece em nada. Charles Troutman, escrevendo para um missionário a quem ele mesmo aconselhava, disse-lhe que compreendia que ele estava incomodado com a possibilidade de ter que levantar seu sustento, e deu seu testemunho pessoal afirmando que ele e sua esposa quase não chegaram ao campo por causa disso.

Ele declara que talvez o orgulho o estivesse impedindo, mas também ele se ressentia da atitude de certas igrejas, pastores e amigos que tinham padrões diferentes para suas próprias famílias e para as famílias de missionários.

Embora ele estivesse acostumado a pedir em favor de organizações cristãs, “adotar a posição de pedinte diante do opulento era terrivelmente difícil”.

Na realidade brasileira atual, facilmente se constata que tanto juntas quanto agências missionárias têm adotado o método de que seus missionários busquem levantar os recursos necessários para realizarem a tarefa que o Senhor lhes confiou. Esses recursos virão das igrejas, membros de igrejas, amigos e familiares. Levantar o sustento é um dos maiores desafios enfrentados por aquele que recebe o chamado de Deus para ir ao exterior como missionário. Esse processo deve também estar fundamentado em convicção pessoal por parte do missionário.

Em praticamente todas as nações, os pastores recebem salário. Algumas das grandes denominações, principalmente, as de países ricos, também sustentam seus missionários com uma renda mensal.

Entretanto muitos dos que vão servir a Deus no exterior vivem pela fé. Não gosto dessa expressão porque ela passa a ideia de uma distinção que na verdade não se aplica aqui. Afinal todos devemos viver pela fé, confiando que Deus suprirá nossas necessidades, de uma maneira ou de outra. Esse termo “pela fé” é usado no meio evangélico como uma espécie de gíria, para descrever aquelas pessoas que não recebem um salário no sentido real da palavra, mas que confiam em Deus para seu sustento. Esse sustento vem, geralmente, por intermédio de igrejas ou indivíduos, que ofertam segundo as despesas de cada missionário. É comum usar a expressão “missionário pela fé” para descrever um trabalho cujo pessoal envolvido consegue a maioria dos recursos da maneira descrita acima. Basicamente, significa “levantar o próprio sustento”.

A Palavra de Deus contém alguns textos bíblicos escritos por Paulo em, 1 Coríntios 16 e 2 Coríntios 8 e 9, sobre levantamento de recursos. Paulo pedia especificamente por recursos e até mesmo dava sugestões de como levantá-los (1Co 16.1-2; 2Co 9.5); ele encorajava as pessoas a dar o quanto pudessem (2Co 8:10-15; 9:6-7); ele exortava a todos para manterem altos padrões éticos (1Co 16:3-4; 2Co 8:20-21); ele até mesmo comparava algumas igrejas com outras (2Co 8:1-8; 9:2-4). Paulo não hesitava em levantar recursos.

Para que essa dinâmica de levantamento de recursos financeiros seja ágil, os missionários devem se comunicar com seus mantenedores por carta, email, telefone, etc., fazendo sua parte em buscar seu sustento; contudo, Deus é quem lhes dá os recursos.

As questões financeiras são uma das principais causas de desentendimento na maioria dos casamentos. Levantar sustento faz com que isso se torne realmente uma questão a ser considerada. Contudo, o envio do missionário ao campo depende se seu sustento pode ou não mantê-lo lá.

Muitos veem o momento do envio do missionário ao campo como o ápice de um processo longo e muitas vezes exaustivo. Entretanto, esse momento é envolto em alegria, gratidão a Deus e um profundo sentimento de dependência do Senhor por se ver aqueles que foram separados por Deus, comissionados por Ele, treinados e capacitados em parceria com a igreja local serem enviados àqueles que precisam ouvir a mensagem de salvação de Jesus.

Os versículos de Atos 13, principalmente de 2 a 4, além de serem inspirativos, são instrutivos, pois mostram o equilíbrio entre a ação do Espírito Santo e a igreja local no envio daqueles que o próprio Deus havia separado e designado para a tarefa missionária.

Enquanto adoravam o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo: “Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado”. Assim, depois de jejuar e orar impuseram-lhes as mãos e os enviaram. Enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. De acordo com o versículo 4, ambos Barnabé e Paulo foram enviados pelo Espírito Santo, mas, segundo o versículo 3, foi a igreja de Antioquia que, impondo as mãos sobre eles, os enviou.

Ao fazer-se justiça à iniciativa do Espírito Santo, não se pode subestimar o papel da igreja no envio deles.

Conclui-se, portanto, que o Espírito Santo os enviou, instruindo a igreja a realizar o envio, e que a igreja os enviou, por ter sido instruída pelo Espírito Santo. Esse equilíbrio é sadio e evita ambos os extremos.

O primeiro é a tendência para o individualismo, pelo qual uma pessoa alega direção pessoal e direta do Espírito, sem nenhuma referência à igreja.

O segundo é a tendência para o institucionalismo, pelo qual todas as decisões são tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao Espírito.

Apesar de não podermos negar a validade da escolha pessoal, ela só é sadia e segura quando vinculada ao Espírito e à igreja.

Entretanto, alguns não entendem da mesma forma, e afirmam que Deus é aquele que envia o missionário, sendo a igreja apenas o canal do envio.

Vários são os textos bíblicos por eles apresentados (Ex 3.10; Is 6.8; Jr 1.7; Mt 10.16 e 28.19; At 13.2-4). Contudo, os textos em questão são, em sua maioria, anteriores à fundação da igreja, com exceção do último.

Esse posicionamento não evita os extremos e gera a falta de equilíbrio ao qual John Stott se refere. Com relação ao papel da igreja local dentro do processo de envio, é oportuno declarar que, além de ser o local onde se encontram as oportunidades de comunhão e crescimento espiritual, onde os membros recebem os dons do Espírito Santo para sua própria edificação, a igreja local é de onde os futuros missionários são chamados pelo Senhor.

Entretanto, uma das características essenciais de uma igreja, quiçá a mais importante para que ela seja atuante no cumprimento da Grande Comissão, é ser missional.

A igreja missional não é apenas outra fase em que a igreja local se encontra, ela é uma expressão completa de quem e o que a igreja foi chamada a ser e a fazer, ou seja, cooperar com o Senhor na redenção do ser humano. define a igreja missional como o povo de Deus em parceria.

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